A Procura de Martina

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Sinopse

Em A Procura de Martina, a protagonista é uma viúva que busca há mais de 30 anos pelo neto, nascido em cativeiro durante a ditadura militar. A necessidade de encontrá-lo se torna ainda mais urgente quando recebe o diagnóstico de Alzheimer. Ao descobrir que o rapaz pode estar no Brasil, embarca em uma jornada na qual passado e presente se misturam. Drama.

Crítica

Em um momento histórico no qual a atenção à gramática e às regras ortográficas parecem coisa do passado – “o que importa é se comunicar, e se não entendeu, o outro explica”, justificam os mais ansiosos – faz-se necessário uma observação a respeito do título deste que é o longa de estreia da cineasta Márcia Faria. Não se trata de À Procura de Martina, com crase no primeiro A. Não é Martina que está perdida, com os demais do elenco à sua procura – por mais que isso, em certo momento, de fato se suceda na trama. O cerne da ação – e dos sentimentos que motivam e envolvem estes personagens – está justamente no que a protagonista tanto sente falta e nunca deixou de buscar. A Procura de Martina trata, portanto, do que ela há muito perdeu, mas nunca cansou de esperar pelo reencontro. Parece um detalhe sutil, quase imperceptível, mas que se revela fundamental. Pois por mais que o mundo se encarregue de engolir Martina e afogar suas esperanças, ela segue altiva, com o nariz para cima, ao alcance do último respiro que deverá lhe levar na direção com a qual tanto sonhou. Se para alcançar ou não esse intento, bom, esse já parece ser outra história. O caminho é mais revelador do que o destino.

Lourdes foi presa por protestar contra um governo ditatorial, violento e abusivo contra a população. Mas ela não foi levada sozinha. Junto consigo, ainda dentro de si, estava Ignácio. O menino nasceu, e nem chegou a conhecer a mãe. Sequestrado pelos mesmos homens que deram um fim na mulher que o deu à luz, quando a democracia, enfim, voltou ao país, foi levado junto com a nova família para um outro país e criado como se lá fosse a sua terra natal. Lá se tornou Ricardo, criado por Hilda, e teve uma vida distinta daquela que lhe fora imaginada. Cresceu, se tornou adulto, e do Rio de Janeiro cumpriu a cartilha que lhe foi desenhada: a vida no morro, a sobrevivência na favela, o envolvimento com o tráfico, a fuga da polícia, o enfrentamento com outros bandidos. Ao mesmo tempo em que, longe de tudo isso, estava Martina. Num outro mundo, numa língua diferente, num universo distante. Poderiam nunca se cruzar, o que pode, de fato, acabar acontecendo. Afinal, nada possuem em comum. A não ser uma coisa. Martina é avó de Ignácio/Ricardo. E dele nunca desistiu.

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Márcia Faria foi assistente de direção de mestres como Helvecio Ratton, Paulo Thiago, Tizuka Yamasaki, Walter Salles e Hector Babenco. Ou seja, teve oportunidade de observar e aprender com alguns dos melhores do cinema brasileiro. Seus passos iniciais como realizadora se deram há duas décadas, em projetos para a televisão e em curtas-metragens. A espera até chegar à tela grande em um longa-metragem para chamar de seu está presente em cada instante de A Procura de Martina. Também co-autora do roteiro, ao lado da igualmente talentosa Gabriela Amaral Almeida, desenvolve um olhar cada vez mais próximo e íntimo sobre essa mulher que toda vez que é confrontada não hesita em declarar em alto e bom som a sua maior verdade: “não tenho mais tempo”. Os anos passaram, e tudo que havia para esperar já passou. Agora é chegada a vez de agir. Pois o passado está vindo para lhe cobrir, apagar e confundir. Deixar Buenos Aires e voar até o Rio de Janeiro tendo apenas um indício em mãos é mais do que tudo que obteve por décadas.

Dessa forma, por mais que se ocupe com a trajetória dessa mulher determinada a não ser mais apenas parte, mas a se completar com aquele que tanto lhe faz falta, A Procura de Martina é menos sobre essa jornada do que sobre ela própria, a protagonista que, enfim, decidiu assumir o controle da situação na qual está envolvida, por mais adversas que sejam as condições que lhe restaram. Mercedes Morán oferece a dor e a angústia de uma figura que não se dá por vencida, em um trabalho feito mais nos detalhes do que no todo. As brasileiras Luciana Paes e Carla Ribas respondem à altura do que delas se espera, e se há algum problema com suas participações é que ambas mereciam mais tempo de tela – Paes aliviando o caminho, Ribas aumentando a intensidade. Agora, quem de fato rouba a cena a cada participação é a veterana Adriana Aizemberg (O Abraço Partido, 2004), combinando drama e riso sem resvalar no deboche, num equilíbrio que apenas uma grande dama conseguiria alcançar. São performances que apontam para o que está em jogo: as relações humanas. Pois são elas que atravessam o tempo e fazem valer qualquer esforço a princípio desnecessário, mas que independente do resultado, terminam por fazer a diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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