A Pequena Travessa

LIVRE 96 minutos
Direção:
Título original: Liliane Susewind: Ein tierisches Abenteuer
Ano:
País de origem: Alemanha

Crítica

4.7

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Sinopse

Lilli Susewind tem a habilidade de falar com animais, mas fora seus pais e sua avó, ninguém sabe deste segredo. Quando conhece Jess, um menino divertido e misterioso, decide contar para ele. Juntos, os dois precisam achar o filhote de elefante que foi roubado do zoológico.

Crítica

Há graciosidade na forma como é construído o âmbito lúdico de A Pequena Travessa, produção alemã dirigida por Joachim Masannek. Isso é evidente, sobretudo, no bom trabalho da direção de arte, cujos esforços criam a peculiaridade dos lugarejos e dos demais cenários, tais como o zoológico em que boa parte da trama se passa. Todavia, essa puerilidade bem-vinda não serve para justificar a fragilidade do conjunto, especialmente no que diz respeito à frouxidão do desenvolvimento repleto de conveniências e lugares-comuns mal encaixados. A protagonista é Liliane (Malu Leicher, carismática e de presença solar), dona da capacidade de conversar com os animais. Porém, sua comunicação com a fauna local acaba sempre rendendo confusões e inviabilizando a permanência da família nas cidadezinhas (?). É assim na sequência inicial, com a mãe, repórter, perdendo o emprego inexplicavelmente por conta de uma traquinagem da filha. A participação do burro que acredita ser um unicórnio é tão insólita (ele literalmente defeca no rosto de alguém) quanto subaproveitada nesse ponto.

Há em A Pequena Travessa um gosto de inocência, algo exposto no modo como os coadjuvantes interagem com a menina. A dinâmica familiar é estereotipada, com pai e mãe desempenhando funções demarcadas. Ela é a trabalhadora, a responsável. Ele, por sua vez, está sempre no mundo da lua, é o sonhador do casal. Ambos são completamente condicionados pelos traços de seus arquétipos, apresentando pouca efetividade quando o subtexto da aceitação das diferenças ameaça timidamente ganhar qualquer relevância. Consecutivamente soterrando as possibilidades de criar camadas distintas, mesmo ao privilegiar a aventura descompromissada e obviamente submissa a uma lição de moral, o longa-metragem trabalha displicentemente a valorização das particularidades. Embora a dinâmica com a colega “patricinha” e egoísta frequentemente aluda a uma pressão por parecer igual a todo mundo, a delineação do enredo não suporta a consolidação substancial desse indício.

A Pequena Travessa exibe um conflito tolo. Liliane, exatamente após prometer que nunca mais iria falar com os animais, é deslocada, justo em seu primeiro dia de aula, à atividade extracurricular num zoológico prestes a reabrir. Como essa, há inúmeras “coincidências” dispostas a fim de permitir que a história, e sua consequente lição, transcorram sem maiores contratempos. Assim, o roteiro preguiçoso costura momentos de pouca força dramática, flertando incessantemente com o esquematismo. A relação da protagonista com Jess (Aaron Kissiov) somente não é mais anódina do que a estabelecida com a menina de macacão que ensaia formar com os dois um trio de “desajustados”. Junte a esse molho insosso um homem apaixonado sendo feito de bobo pela vilã, animais criados com efeitos visuais de qualidade, no mínimo, questionável, dois policiais que aparecem em cena apenas para mostrar sinais de patetice e um arremedo de Dumbo que vira a grande vedete.

De uma hora para outra, crianças sem um pingo de importância, senão como figurantes, se integram à brigada de salvamento do local vitimado pelo mal. Vanessa (Aylin Tezel), a antagonista, se esforça para ser caricatural, com direito a roupa de couro e garras metálicas, figurino que a aproxima ridiculamente da Mulher-Gato. Ainda que seja bonito do ponto de vista visual, e claramente voltado a um público infantil, A Pequena Travessa desperdiça demasiadamente as possibilidades de sua trama em prol de facilidades que, supostamente, visam descomplicar algo essencialmente simplório e de imediata assimilação. Espremendo a questão das representações, constata-se um desfecho em que pecados masculinos são imediatamente perdoados, basicamente como num passe de mágica, enquanto os femininos são dignos de punição severa. Claro, se está diante de um filme meramente de entretenimento, calcado num deslocamento da realidade à fábula, mas não deixa de ser sintomático que tudo acabe bem quando as lições surgem para mascarar as feiuras do mundo.

Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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