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Sinopse

A workaholic Joana decide tirar um tempo de férias na cidade de Peruíbe, nacionalmente conhecida por seus supostos casos de abdução e contato com extraterrestres. Em sua primeira noite na cidade, ela atropela um homem desconhecido e é convencida pela mulher dele que está envolvida em uma trama alienígena.

Crítica

Após sofrer uma traumática tentativa de assalto/abuso sexual em São Paulo, Joana (Claudia Campolina) decide tirar férias em Peruíbe, cidade nacionalmente conhecida por inúmeras manifestações ufológicas. Há, então, o clichê da workaholic que necessita de um detox digital, escape beneficiado, ainda, por uma conveniente reconexão com o passado, pois seu falecido pai a levava ao local e ficava horas a divagar sobre visitantes de outros planetas. A Pedra da Serpente é dividido em cinco capítulos, compartimentação que agrega pouco à sua fruição. Acossada por pesadelos sucessivos, nos quais está grávida, rodeada de pessoas estranhas, banhada por luzes, ora multicoloridas, ora tão brancas que não permitem um vislumbre ao longe, a protagonista demora para chegar à pousada em que vai buscar alívio à sua cabeça atribulada. A fase inicial é arrastada, com uma série de eventos descartáveis, vide a reunião com a cervejaria, cliente de sua empresa de propaganda, episódio que serve apenas para apresentar um contorno jocoso da crença em discos voadores.

Claudia Campolina se doa visivelmente para fazer a sua personagem transitar orgânica e vertiginosamente por diversos estágios de comportamento, partindo do esgotamento psicológico, passando pela tentativa de aquietar-se, chegando à angústia prevalente após o homicídio culposo de um transeunte desconhecido. A direção de Fernando Sanches imprime uma urgência às vezes bem aproveitada, noutras totalmente gratuita, explorada no limite do burocrático. O roteiro empurra Joana a uma consecução de situações carentes de desenvolvimento acurado, aceleradas em função da necessidade de, unicamente, seguir adiante, assim não conferindo tempo suficiente para que determinadas conjunturas amadureçam com o peso dramático devido. O elo com Marcelo (Johnny Klein), YouTuber empenhado em registrar possíveis extraterrestres, é construído de forma forçada, o mesmo podendo ser dito da pretensa intimidade com a expansiva dona do estabelecimento, que, sem mais aquela, se dirige à forasteira como alguém conhecida. Tais detalhes vão minando o conjunto.

Todavia, o mais problemático de A Pedra da Serpente é a maneira como ele lida com a culpa de Joana. Impelida a ajudar a suposta viúva do sujeito por ela atropelado fatalmente, a protagonista gasta bons minutos empreendendo ações que visam, pura a simplesmente, aplacar a sua consciência pesada. Gilda Nomacce oferece dados dramáticos com sua personagem, a mulher que se vê inesperadamente desamparada com um filho prestes a chegar. Os diálogos mantidos pelas duas entregam boa parte das pretensas surpresas atreladas à atividade extraterrestre em Peruíbe. É possível antever desdobramentos sinalizados por lugares-comuns, como os vômitos que sobrevém a uma noite de sexo sem proteção. A culpa é dissipada canhestramente com a dissolução da dúvida, apontando à completa falta de escrúpulos da publicitária que se sente aliviada (isso mesmo!) por ter matado um foragido da justiça, agindo como se ele não fosse humano e digno de compaixão.

Perdido em labirintos frágeis, A Pedra da Serpente coloca sério entrave à sua relevância por não observar criticamente o posicionamento de Joana. O filme de Fernando Sanches está mais preocupado em filiar-se esteticamente à ficção científica, com as relativamente elaboradas cenas de cunho premonitório, e menos empenhado em consolidar a espessura dos personagens, bem como as circunstâncias que eles vivem. O resultado é oscilante, com o elenco não encontrando suporte na direção inábil quanto ao desenvolvimento das figuras humanas em cena. Após uma bomba de fumaça que, a bem da verdade, dita surpresas encarregadas de dirimir um pouco a debilidade geral, a conclusão vem ao encontro das expectativas fomentadas, sem algo que torne, ao menos, o clímax memorável. Falta ao longa a coragem demonstrada na construção das sequências oníricas, como a da cobra adentrando a vagina, infelizmente exceção que confirma a desajeitada regra aqui.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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