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Sinopse

Em 1948, Jacques Cousteau, sua mulher e seus dois filhos estão vivendo em alto mar, no grande navio Calypso. Mas ele quer algo além da aventura. Graças à sua invenção de um escafandro autônomo que permite respirar debaixo d’água, o aventureiro descobre um novo mundo. Obstinado em suas descobertas, não percebe que afasta a família de si. Seu filho o alerta para as consequências do seu trabalho, e desse conflito nascerá uma cumplicidade capaz de salvar o planeta.

Crítica

A opção do cineasta Jérôme Salle por começar A Odisséia com uma nota trágica, mais especificamente a morte de Philippe (Pierre Niney), caçula do famoso explorador francês Jacques-Yves Cousteau (Lambert Wilson), reveste o decurso de uma ligeira sensação de tristeza. E esse é um dado relevante em virtude da maneira como a narrativa se organiza em torno da relação nem sempre amistosa entre o protagonista e esse filho que mais se identifica com sua veia aventureira. Volta-se no cronologicamente a 1949, quando Cousteau decide desligar-se da Marinha, e embarcar com a esposa, Simone (Audrey Tautou), numa expedição pelos oceanos, coletando informações e fazendo documentários sobre as maravilhas do mundo submarino, então intocável e distante dos olhos humanos. Não sem um excesso de sentimentalismo, vemos o menino contrariado na instituição em que fora internado para completar os estudos. Já o primogênito, Jean-Michel (Benjamin Lavernhe), é deixado de lado.

A Odisséia se equilibra cambaleante em todas as frentes que tenta explorar. A dificuldade provém, boa parte, da imperícia de Salle, que passa de uma esfera a outra sem concentrar-se nos pormenores, com o perdão do trocadilho, nadando geralmente no raso. Assim, acompanhamos a ascensão de Cousteau como um nome internacionalmente relevante, principalmente pela popularidade de seus documentários e de uma pesquisa oceanográfica confundida gradativamente com mero empreendimento comercial. Assim que atinge idade suficiente para ser readmitido na tripulação do pai, Philippe encara desafios, fazendo jus ao sangue progenitor, inquieto e propenso aos perigos mais improváveis, porém demonstrando uma diferença ideológica que reside, justamente, na forma como encara uma natureza, já naquele tempo ameaçada pela ganância. Ele funciona como gatilho de reprovação, deflagrando as hipocrisias e incongruências da notoriedade do capitão.

O realizador demonstra inabilidade igualmente no que tange à interação do protagonista com a esposa, algo determinante para a debilidade do resultado, vide que A Odisséia se propõe muito mais a ser um registro familiar que cinebiográfico, no sentido clássico. Audrey Tautou é absolutamente limitada pela inocuidade de seu papel, restrita a rompantes muito pontuais de descontentamento, sendo relegada a um lugar de amargura tampouco aproveitado. Esse apagamento atinge idem o filho mais velho, que funciona, basicamente, como um figurante de luxo, de aparições cada vez mais bissextas e inexpressivas. A oposição entre Cousteau e Philippe é trabalhada superficialmente, com acessos moralistas do rapaz diante da necessidade do pai de conquistar, inclusive no âmbito amoroso, o que fragiliza as questões de cunho ambiental, nas quais também há fissuras capitais. Tudo é entremeado por imagens belas de uma natureza esplendorosa, plasticamente contemplada.

Aqui, a complexidade de Jacques-Yves Cousteau é leviana, exatamente porque não supera uma oposição cartesiana entre atos bons e maus, o que desenha um percurso claramente maniqueísta. A inclinação pela romantização dos fatos e comportamentos das pessoas envolvidas, num só tempo, em causas de cunho pessoal e global/ecológica, dita os contornos carregados dessa história marcada por frustrações e desilusões entre consanguíneos. Próximo do fim, ou seja, quando a narrativa está prestes a fechar seu ciclo, alcançando novamente o ponto inicial, o do luto vigente, há uma conciliação que reafirma os preceitos coxos do filme, por conta da forma simplificada como acontece. Jérôme Salle não parece preocupado com as filigranas, pois pesa a mão na construção das situações e dos elos em voga. Lambert Wilson e Pierre Niney ainda fazem o que podem com o material que lhes cabe, o mesmo não podendo ser dito dos demais atores e atrizes, meros adereços dessa trama inconsistente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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