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Sinopse

Tentando terminar de rodar seu filme, um cineasta acompanha os pequenos dramas de todos envolvidos na produção. Ícones que se esquecem de suas falas ao beberem; estrelas se recuperando de colapsos nervosos.

Crítica

François Truffaut, pensador e cineasta que ajudou a promover verdadeira revolução no cinema francês, sobretudo entre os anos 1950 e 1970, primeiro como crítico e articulista na mítica revista Cahiers du Cinéma e depois como um dos pilares da Nouvelle Vague, realizou com A Noite Americana o típico sonho do diretor cinéfilo. É numa das mais rasgadas e elucidativas homenagens que o cinema já prestou a si próprio, pois escancara os bastidores de filmagem, perscrutando dificuldades e prazeres da rotina em estúdio.

Além de dirigir, Truffaut interpreta o cineasta criativamente responsável por A Chegada de Pamela, melodrama falado em francês.  Em meio a veteranos excêntricos e jovens instáveis, ele carrega nos ombros a dura tarefa de responder a todo tipo de pergunta, da arma que deve ser utilizada na cena da morte, ao filtro de luz adequado para determinado efeito dramático. Tem de lidar com o ator infantil, a atriz sensível, a veterana alcoólatra, a pressão dos financiadores, as surpresas e os affairs que brotam no meio desta gente ligeiramente mais espontânea. Aliás, Truffaut resguarda o diretor de todo e qualquer envolvimento amoroso, justo ele que manteve inúmeros relacionamentos com quem trabalhou. Poderia com isto querer maquiar seu passado mulherengo, ou simplesmente destituir a figura diretiva de qualquer mácula que tornasse o cargo menos nobre?

Especulações à parte, em A Noite Americana Truffaut presta homenagens bastante pessoais, além de utilizar sua fábula como hospedeira de subtextos que comentam os rumos da própria arte cinematográfica. Destaca-se entre os tributos, a sequência em que um pacote com diversos livros sobre grandes diretores de cinema - não por acaso, ídolos de Truffaut -, se desnuda ante o cineasta carente de iluminação. Na seara dos comentários, põe-se em relevo o lamento, a certa altura, pela mudança de paradigmas que legou o trabalho em estúdio quase ao ostracismo. Sobre este último, pensa-se primeiro em contradição, pois tal movimento ganhou contornos definitivos exatamente com a eclosão da nouvelle vague. Percebe-se, porém, que a observação é, na verdade, a amarga constatação do implacável eclipse provocado pelas novidades, até mesmo nos bons termos do que elas substituem.

Afora observações ferinas e homenagens abertas, A Noite Americana se alimenta do amor de Truffaut pela sétima das artes, num fluxo narrativo apaixonado, apaixonante, e enriquecedor. Estes caráteres se evidenciam sobremaneira nas tomadas que desconstroem gravações, nas pequenas revelações da faceta ordinária do cinema. A vulgaridade cai por terra quando estes mesmos registros são filtrados pela ótica da câmera, que os devolve ao olimpo diegetico onde o milagre se configura. Magia em estado puro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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