Crítica

Depois de investir em retratos sociais, cinebiografias, epopéias históricas e dramas espíritas, o cinema brasileiro descobriu, em 2009, outro filão: a comédia romântica. Só que entre o gargalhada descompromissada de um Se Eu Fosse Você 2 e o riso inteligente de um Divã, o novo A Mulher Invisível parece não conseguir se definir. O que é uma pena, pois a produção tem potencial para seguir com sucesso qualquer um destes caminhos. Mas como fica um pouco aqui e outro tanto acolá, o resultado é de provocar confusão no espectador – se por um lado não recebemos elementos suficientes para interagirmos intelectualmente com a obra, por outro percebemos uma resistência dos realizadores em entregar algo simplista e despojado. Com todos os prós e contras que uma indecisão como esta pode acarretar.

O protagonista de A Mulher Invisível não é o personagem comum deste tipo de filme. Pedro, interpretado com muita dedicação e cuidado por Selton Mello, é um homem com vários problemas. Após ser traído e abandonado pela esposa, ele desenvolve uma esquizofrenia tão profunda a ponto de provocar nele a idealização da mulher perfeita (e quem melhor do que Luana Piovani?). O problema é que este encontro acontece apenas em sua imaginação! E tal fato, logicamente óbvio para todos os seus conhecidos, custa a ser percebido pelo principal envolvido. Quando a ficha finalmente cai, o pânico se instaura – como evitar esta alucinação? Enquanto isso, há uma trama paralela envolvendo uma vizinha muito sem graça (Maria Manoella) que é secretamente apaixonada por ele, e o melhor amigo dele (Vladimir Brichta, em ótimo momento, ainda melhor do que em Romance) que tanto tenta ajudá-lo que acaba atrapalhando mais do que devia.

A Mulher Invisível nasceu, segundo consta, de uma vontade do diretor Cláudio Torres em brincar com esse gênero tão popular. A questão é que, quem viu seu longa anterior, o malfadado A Mulher do Meu Amigo, sabe que ele não tem a menor afeição a este estilo narrativo. Muito melhor se saiu em seu trabalho de estreia, o ótimo Redentor (grande vencedor do Guarani 2005, premiado em 5 categorias: Melhor Filme, Direção, Roteiro Original, Som e Efeitos Especiais), que fazia uso com sabedoria da ironia e do humor negro, bem dosado e distribuído com inteligência e muita perspicácia. Talvez Torres seja capacitado demais para realizar algo tão comum. Ou talvez lhe falte humildade suficiente para comandar algo que aposte na simplicidade. O que se tem de fato é que, se desta vez seus esforços não foram tão frustrantes quanto na tentativa anterior, ainda estão longe de serem dignos de um reconhecimento mais entusiasmado.

Entre Selton Mello (ainda melhor do que em Meu Nome Não é Johnny e Os Desafinados, seguindo uma linha mais próxima da vista no excelente O Cheiro do Ralo), Piovani e Brichta, outro nome que se destaca com facilidade no elenco é o da sempre divertida Fernanda Torres (irmã do diretor), que, mesmo seguindo o mesmo registro da ‘Vani’ de Os Normais, ilumina a tela a cada aparição, dominando as atenções (também, ao lado da fraca Manoella não deve ter sido muito difícil). Mas se A Mulher Invisível aspira ser Um Espírito Baixou em Mim (comédia dos anos 80 com Steve Martin e Lily Tomlin), sua vocação tende mesmo a se aproximar de um Clube da Luta (que, aliás, serviu de inspiração para o desempenho de Selton, de acordo com o próprio), em que um protagonista perturbado é incapaz de ter sua personalidade firmada. Mas este cenário é apenas desenhado, pois a vontade de se comunicar a um público muito maior – e que movimente ainda mais as bilheterias – acaba falando mais alto. E tudo termina indo por água abaixo, resvalando num final comum e clichê. A despeito de um anunciado potencial que nunca chega a se concretizar. Ou seja, não é um filme ruim – longe disso. Só que poderia ter sido muito melhor.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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