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Sinopse

Duas mulheres à frente da luta por terra no Brasil: Shirley Krenak e Maria Zelzuita. A primeira carrega as tradições das Guerreiras Krenak, de Minas Gerais; a segunda é sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará.

Crítica

Já faz 35 anos desde que Ailton Krenak fez história na Assembleia Constituinte de 1987. Na ocasião, o ambientalista e escritor protagonizou uma das cenas mais marcantes de todo o processo: em discurso na tribuna, vestido com um terno branco, pintou o rosto com tinta preta para protestar contra o que considerava um retrocesso na luta pelos direitos indígenas. De lá pra cá, pouco, ou quase nada, mudou. Nesse contexto delicado, Susanna Lira apresenta em A Mãe de Todas as Lutas outro Krenak. Aliás, outra: Shirley. A integrante do mesmo povo de Ailton se une a Maria Zelzuita, assentada do MST e sobrevivente do famigerado Massacre de Eldorado do Carajás, que ceifou a vida de 21 trabalhadores rurais pelas mãos da polícia do Pará em 1996. Apesar de frentes distintas, as duas integram a mesma gênese: a do respeito com a mata brasileira e a sua utilização consciente. A partir de agora, dadas as cartas, a tarefa a qual a diretora se encarrega é conciliar essas batalhas em uma só.

Ao capturar os depoimentos das protagonistas, Susanna não consegue, e nem poderia, imprimir um discurso dócil. Pelo contrário, o tom da obra é de desgaste. Shirley usa de palavras fortes: "vivemos, diariamente, um estupro da mata a céu aberto". Essa e outras falas são ilustradas com cenas de mineração e construção de estradas em territórios demarcados. Propagandas antigas, produzidas pela FUNAI nos anos 1960, reforçando a ideia de um convívio pacífico e a incorporação cultural de brancos e indígenas de forma simplória, são constrangedoras. Apesar da mensagem que a última ditadura militar brasileira tentava passar, a verdade é que, em mais de 500 anos, o sufocamento dos índios não diminuiu. Na tela, enquanto generais negam quaisquer rixas com os povos originários, imagens de aldeias em chamas e populações primitivas sendo escravizadas deflagram o mal existente.

Após reforçar a temática indigenista, a realizadora dedica o segundo ato quase inteiro ao conflito Latifundiário vs. Sem Terra. Maria Zelzuita conta como passou a integrar o MST, exemplifica suas funções e chega ao episódio fatídico: o massacre dos anos 1990. Mais um espetáculo de horror é apresentado. O movimento é asfixiado e a causa é rejeitada pelas autoridades. Nesse conjunto, sobram críticas inclusive à mídia. Depois de diversas representações do que de pior a herança colonial poderia deixar aos brasileiros, há espaço para discursos clementes. Shirley não espera que algo mude e Maria apenas não quer que ninguém morra por apenas reivindicar um pedaço de terra. Por mais incrível que pareça, ainda hoje, fazendeiros chegam a possuir propriedades de dimensões estaduais no país. Muitos, aliás, sem qualquer comprometimento com a saúde das matas. Há alguma novidade nisso tudo? É claro que não.

As lutas pela "Mãe Terra", como várias vezes intitulada por Shirley, estão vivas e sempre estiveram. Aliás, continuarão, mesmo com o panorama adverso. Talvez o maior pecado de A Mãe de Todas as Lutas seja não dividir a obra em duas partes, encorpando ainda mais as resistências. Ainda sim, é um projeto que escancara uma sociedade retrógrada. Embora seja evidente que não haja mais espaço para violências dessa ordem, elas parecem possuir salvaguarda dos governos tupiniquins.

Filme visto no 17 º CineOP - Mostra de Cinema de Ourto Preto, em junho de 2022.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]

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