Crítica

Michael Bay é um diretor inquieto, que sempre busca surpreender. A Ilha, no entanto, ocupa um espaço curiosamente estranho dentro de sua filmografia. Afinal, trata-se de um filme não tão irresponsável quanto a cinessérie Bad Boys (1995-2003), que vislumbra catástrofes épicas como Armageddon (1998) e tem um pé fincado na ficção-científica, como a trilogia Transformers. Mesmo assim, no entanto, não se assemelha a nenhum desses em sua aparência, pois, apesar de investir num romance (como Pearl Harbor, 2001), o elabora através de um visual mais limpo, sem tantas distrações. É quase como se quisesse indicar sua maturidade como realizador. E se durante a primeira metade da trama o cineasta é razoável ente bem sucedido nesta tarefa, o desenlace da trama renega tudo que foi armado anteriormente para nos direcionar a mais uma das suas correrias típicas, com soluções absurdas e exageradas. O homem, afinal, nunca consegue deixar de ser o que é.

O universo criado para ambientar A Ilha é demasiadamente asséptico, o que já indica um artificialismo desde o começo. Bay está, evidentemente, caminhando por trilhas desconhecidas, e seu desconforto é perceptível. A profusão de clichês do gênero se espalha por todos os lados, ainda que por trás de tamanho desperdício haja uma idéia interessante, que mereceria ser discutida. Esta, no entanto, é desperdiçada pelas mãos inaptas do realizador. Se quem assinasse a direção fosse alguém alguém como Ridley Scott ou Steven Spielberg (que não assumiu o projeto por falta de tempo, passando-o para Bay), é possível afirmar que o resultado fosse completamente diferente.

Num futuro não muito distante, um desastre ecológico praticamente dizimou a população do planeta. Os sobreviventes estão reunidos em colônias, e sonham em ir para a “ilha”, o último refúgio natural seguro. Logo, no entanto, descobre-se que isto não passa de uma farsa, e que na verdade as pessoas “salvas” não são nada mais do que clones de seres humanos normais, e que estão presos num viveiro até que a matriz necessite deles para um transplante de pulmão ou para a gravidez que até então era incapaz. Duas destas cópias, ao se darem conta do mundo de mentiras onde vivem, conseguem fugir, e a partir deste momento A Ilha se resume a um único objetivo: fuga e perseguição. O que tinha começado bem é deixado de lado, substituído por um interminável jogo de gato e rato que recicla sem originalidade diversas outras seqüências vistas em produções similares, como perseguições automobilísticas, manobras aéreas e conflitos de interesses.

Com falsos clímaxes que servem apenas enganar o espectador, afastando-o ainda mais, A Ilha, possui ainda um incômodo excesso de concessões ao marketing, seja no sentido prático do termo – há comerciais e marcas por todos os lados, bombardeando a audiência simultaneamente, inclusive com uma pausa na história para rolar um “anúncio dos nossos patrocinadores” estrelado pela protagonista – até numa concepção mais global, como no visual e na estética. São tomadas em câmera lenta, imagens tão esplêndidas quanto vazias e muita pirotecnia para pouco conteúdo. Até o mais desatento espectador irá perceber que se trata de pura distração para uma escassez de argumentos.

Mas o que se salva em A Ilha? Alguns nomes do elenco, no máximo. O melhor em cena é Steve Buscemi, que apesar de recriar o mesmo tipo de sempre, o faz com a competência habitual. Se Ewan McGregor tenta – sem muito sucesso – oferecer um pouco de verossimilhança a um personagem tão raso, Scarlett Johansson pouco vai além da mesmice do branco de seu uniforme. Sean Bean e Djimon Housoun, com muito pouco com o que dispor, mal conseguem sair do piloto automático, repetindo maneirismos pouco estimulantes. No mais, tem-se um roteiro esquemático – escrito pela dupla Robert Orsi e Alex Kurtzman, a mesma dos novos Star Trek (2009) e Além da Escuridão: Star Trek (2013) – e mais uma prova da inabilidade de Bay em criar personagens meramente verossímeis. Como resultado, tem-se o maior fracasso da carreira do diretor, tendo faturado pouco mais de US$ 35 milhões nas bilheterias americanas (para um orçamento de US$ 126 milhões).

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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