
A Ilha do Milharal
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George Ovashvili
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Simindis kundzuli
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2014
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Geórgia / Alemanha / França República Tcheca / Cazaquistão
Crítica
Leitores
Sinopse
Em A Ilha do Milharal, um camponês e sua neta cuidam de uma plantação de milho em uma ilha no curso do rio Inguri, divisa entre a Geórgia e a república independente da Abecásia, em conflito desde a guerra de 1992 e 1993. A passagem do tempo, que desgasta e constrói as ilhas, marca o amadurecimento da jovem e a obstinação do velho camponês. Drama/Guerra.
Crítica
Há um sabor ritualístico na maneira como o diretor George Ovashvili conduz, sobretudo, os dois terços iniciais de A Ilha do Milharal. Aproveitando-se da generosidade da natureza, que permite o surgimento de ilhotas com a baixa do rio Iguri, mais precisamente na divisa hostil entre a Geórgia e a república independente da Abecásia, o protagonista (Ilyas Salman) começa a plantação que garantirá o sustento da família por meses. A palavra é reduzida ao mínimo, quase tudo é expresso imageticamente e mediado pela onipresença dos sons oriundos da água em curso e do vento sibilante. O milharal cresce paulatinamente sob os cuidados do senhor e de sua neta (Mariam Buturishvili). De vez em quando a paz é perturbada pela passagem de embarcações militares, que cortam o ritmo compassado da atmosfera com o barulho de seus motores. Não é preciso dizer muito, pois os olhares carregam a tensão do conflito que ameaça alterar forçosamente o cotidiano artesanal daqueles dois.
Ovashvili ressalta constantemente o caráter cerimonial da relação dos camponeses com o meio. Há certa solenidade em todas as etapas que antecedem o plantio. Primeiro, a demarcação do território, com uma simbólica bandeira branca que denota, de uma só vez, ocupação e pacifismo. Depois, a construção da casa, tarefa penosa, já que é necessário um desgastante vai e vem pelo rio com materiais e provisões. Por fim, pronta, a habitação, que serve incialmente de abrigo e mais tarde de residência propriamente dita, resguarda avô e neta dos perigos, mesmo obviamente frágil às intempéries de diversas ordens. Volta e meia os soldados da margem oposta mexem com a menina, atraídos pelo desabrochar de seu corpo ainda franzino, mas que já começa a exibir os primeiros sinais de maturidade. Em A Ilha do Milharal sobressaem-se os processos de sucessão inerentes à natureza.
Assim como as plantas, a garota também se transforma, evolui por obra dessa onipotência do tempo. Ela representa a inocência, tateia um mundo novo que se avizinha com possibilidades e dificuldades em semelhante medida. O avô, por outro lado, carrega no semblante o peso dos anos, zelando por ela sempre que possível. Menos fortuita do que pode parecer inicialmente, a convivência com um guerrilheiro ferido, de quem ambos tratam sem esperar recompensa, serve para mostrar a curiosidade crescente da menina com aquilo que está além de suas fronteiras ainda infantis, e para robustecer a instabilidade resultante da intrusão militar. A ilha é uma exceção à regra belicosa e intransigente do entorno, um refúgio cercado de ignorância por todos os lados, onde a intenção é fazer brotar a vida e, por conseguinte, perpetuá-la, por conta da subsistência proporcionada pelos frutos que a terra dá.
A Ilha do Milharal faz da amplitude sensorial uma aliada, legando ao verbo o papel de coadjuvante pontual da imagem e do som. Nossos medidores do transcorrer dos dias são o aspecto do milharal e o tamanho cada vez menor da ilha, decorrência da subida gradativa da maré, que anuncia com vagar o iminente fim do oásis, já que o rio voltará a reclamar um espaço originalmente seu. Vida e morte se insinuam a todo instante na narrativa caudalosa proposta por George Ovashvili, cuja cadência nos convida à contemplação. Os ciclos deflagram a efemeridade das coisas, sentenciando que tudo se modifica e, mais adiante, inevitavelmente acaba. A natureza é erigida à condição de poder maior, força incontrolável contra a qual não podemos lutar, pois dela somos reféns e peças imprescindíveis. Nascer, crescer e desaparecer, ninguém escapa disso. Somos irremediavelmente transitórios, conforme este belo filme georgiano.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 9 |
Ailton Monteiro | 9 |
Chico Fireman | 6 |
Francisco Carbone | 10 |
MÉDIA | 8.5 |
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