Crítica

Para qualquer cidadão nascido e criado na cultura ocidental os hábitos e tradições islâmicas são realmente um pouco difíceis de serem compreendidos e aceitados. Por isso é preciso manter a mente bastante aberta e a curiosidade em alta para abraçar toda a complexidade abrangida pelo drama exposto em A Fonte das Mulheres, longa do cineasta romeno Radu Mihaileanu que se passa num local sem geografia ou tempo específico, mas que pode-se depreender de imediato que o universo em questão está bem distante daquele que conhecemos e nos habituamos. E isso, se no começo provoca estranhamento e confusão, logo passa a colaborar no tom de fábula da trama, que, como tal, terá muito a ensinar como mensagem.

Leila (Leïla Bekhti, de O Profeta, 2009) é uma mulher que se difere da maioria do vilarejo onde mora por um pequeno, porém fundamental, detalhe: ela casou com o homem que amava. Nesta comunidade apontada, o mais normal eram os casamentos serem arranjados pelos pais, e nessa negociação envolverem questões familiares e, principalmente, financeiras. Seu marido, Sami (Saleh Bakri, de O que resta do tempo, 2009), é um homem culto que trabalha como professor. Ele é, também, o único assalariado de toda a família, que abrange ainda os pais dele, além de irmãos e sobrinhos. Ou seja, sua posição é fundamental e delicada. Mas, quando Leila decide se revoltar contra um antigo costume local que dita que são as mulheres – mesmo as velhas ou grávidas – que devem subir as ásperas montanhas para buscarem água potável na fonte mais próxima, a vila inteira será afetada. E nada mais será como antes.

A Fonte das Mulheres mostra como um grupo feminino pode ser dividido. Afinal, baldes d’água não são nada leves, e para o espectador ocidental parece um tanto óbvio que carregá-los deveria ser uma obrigação masculina. Mas essa conclusão não é nada evidente nesta particular sociedade. Eles são os sábios, os mantenedores, os que tomam as decisões. Mas, na prática, tudo o que fazem é ficar no bar da esquina bebendo, jogando cartas e observando o tempo passar. Elas é que conduzem as famílias, lidam com os filhos, alimentam a todos e, ainda, precisam se arriscar lomba acima atrás de um pouco de água limpa. Sami, o professor, entende e concorda com ela. Mas como agir se a própria mãe (a ótima Hiam Abbass, de Free Zone, 2005, e Lemon Tree, 2008) é a primeira a se posicionar contrária ao protesto da nora?

Mihaileanu, o mesmo do divertido O Concerto, 2009, conduz com bastante habilidade o desenvolvimento de A Fonte das Mulheres, longa que participou da mostra competitiva do Festival de Cannes 2011. Ele coloca lado a lado o progresso com a tradição, e o conflito que surge a partir da greve de sexo liderada por elas, se no início parece pitoresco e divertido, aos poucos vai assumindo um ar muito mais sério e revelador. Profundo sem ser pesado, este é um filme que entretém com sabedoria, ao mesmo tempo em que nos oferece um olhar preciso e delicado sobre uma questão que sempre merece ser debatida, independente de tempo, espaço ou local: a igualdade entre os homens.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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