Crítica

A Estreita Linha Amarela é o primeiro longa-metragem dirigido pelo mexicano Celso R. García e possui todos os predicados de um bom filme de estreia: pequeno, focado nos seus personagens, delicado e, ainda que ambientando sua história na realidade dura de trabalhadores braçais do México, interessado em ser “universal” – termo problemático, mas muito utilizado para se referir a temas que, supostamente, caberiam em qualquer cinematografia do mundo. No caso, trata-se da história de Toño (Damián Alcázar), homem de meia idade machucado pela vida, já que viúvo, pai de um filho que não vê há algum tempo e portador do trauma de não ter, no passado, conseguido salvar seus colegas de trabalho de um acidente. Outrora trabalhador respeitado na construção de estradas pelo país, Toño se entregou ao abandono, vivendo de pequenos e mal pagos empregos (vigia de um ferro-velho, frentista num posto de gasolina) até ser convidado por seu ex-chefe para comandar a pintura da linha amarela que separa as vias de uma estrada recém-reformada, tendo sob sua tutela uma equipe de quatro outros profissionais não tão convencionais, todos típicos loosers de uma sociedade devastada pelo desemprego.

A Estreita Linha Amarela se desenvolve, então, em torno da relação entre esses personagens, que vão, aos poucos, formando uma família, aprendendo uns com os erros dos outros, contando para o espectador suas respectivas histórias pregressas e razões para exercerem aquele ofício. García é bastante eficiente nesse intento, dando o devido tempo para cada uma das cinco figuras que povoam sua narrativa se tornarem minimamente encantadoras em sua simplicidade e nos pequenos desejos que carregam. É verdade que o roteiro por vezes aposta em soluções simplórias e moralistas – por exemplo, o personagem que furta o grupo e depois retorna, arrependido, por ter alucinado com sua mãe morta na estrada, dizendo-se decepcionada com ele – e em diálogos tolos, que tentam em vão ser profundos – “Você parou de procurar ou foi você que se perdeu?”, questiona o jovem Pablo (Americo Hollander) a Toño, durante uma conversa sobre o filho desse último, exemplificando essa pretensão de García de transcender a realidade de dureza e dar grandes lições de humanidade a partir de seus personagens.

Mas, ainda assim, Toño, Pablo, Gabriel (Joaquín Cosio), Atayde (Silverio Palacios) e Mario (Gustavo Sánchez Parra) são figuras suficientemente carismáticas para segurar o filme e tornar verossímil, mesmo emocionante, a relação estabelecida no interior do grupo. São especialmente bonitos os momentos em que eles confraternizam e revelam um pouco mais de seus passados, formando laços que se tornam importantes para o funcionamento emocional de alguns desdobramentos da narrativa. E por mais que haja, na parte final de A Estreita Linha Amarela, um “grande acontecimento”, talvez um pouco forçado por García para produzir lágrimas nos personagens e no espectador, é numa cena envolvendo uma cobra que o filme consegue ser mais efetivo nesse sentido.

Há ainda uma curiosa ética do trabalho que move seus personagens, repetida nos discursos, sobretudo de Toño, sobre a importância do ofício que exercem, tanto num sentido mais prático (a divisão das pistas de uma estrada, que organiza o trânsito de veículos) quanto pretensamente filosófico (se referindo à importância de se ter um guia ao longo da jornada da vida). Por mais depauperados que sejam os personagens, eles carregam essa necessidade de cumprir, a todo custo, o que lhes foi demandado, ecoando, inevitavelmente, o cinema de Howard Hawks, como também o de seu principal herdeiro na contemporaneidade, Clint Eastwood – não é à toa, portanto, que os primeiros acordes de um dos temas do filme se assemelhe muito à música de Menina de Ouro (2004), talvez chegando às vias do plágio. Acaba surgindo dessa postura certa despolitização da atividade laboral, já que as relações entre empregados e patrões são esvaziadas de qualquer conflito – basta que esses últimos sejam bons, como é o personagem do Engenheiro (Fernando Becerril), valorizado por García até pela relação anterior que tem com o protagonista. Mas ser politicamente potente não parece estar entre as pretensões de A Estreita Linha Amarela, ainda que o filme acabe tocando nessas questões ao escolher filmar trabalhadores precarizados como são Toño, Gabriel, Mario, Atayde e Pablo.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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