Crítica

Na abertura de A Espera, a câmera do diretor de fotografia Francesco Di Giacomo realiza um intrincado movimento, percorrendo de cima a baixo uma imagem de cristo na cruz até chegar a uma freira - que beija os pés da escultura – para, então, revelar o cenário da igreja onde ocorre uma cerimônia fúnebre. De imediato, a cena descrita evidencia duas das principais características desta estreia em longas do italiano Piero Messina: a forte simbologia religiosa e o virtuosismo estético. Baseando-se livremente na peça La vita che ti diedi, de Pirandello, Messina se vale do imaginário católico, e do peso deste na cultura de seu país, para apresentar uma história sobre a dor da ausência e o enfrentamento do luto.

Na trama, Juliette Binoche interpreta Anna, uma mãe que acaba de perder o filho, Giuseppe, e que recebe a visita de Jeanne (Lou de Laâge), a bela namorada francesa do garoto, convidada por ele para uma estadia na vila da família, na Sicília. Ao se deparar com a jovem que nunca havia visto, e que ainda não sabe da tragédia ocorrida, em meio à recepção dos convidados do funeral, Anna tem uma reação inesperada e, ao invés de informá-la sobre a morte de Giuseppe, afirma que acaba de perder um irmão e que o filho deve chegar em breve. Assim, Jeanne passa os dias seguintes aguardando o seu amado, enquanto começa a se aproximar de Anna, desencadeando uma relação bastante peculiar.

Mesclado ao drama da situação, Messina sustenta um toque de mistério, envolvendo a iminente revelação do segredo já conhecido pelo público. Mas, para que a imersão em sua proposta seja possível, o cineasta exige que se aceite a postura discutível de suas personagens, buscando justificá-las através de interpretações psicológicas plausíveis. Começando pela mentira criada por Anna, compreendida como um ato impensado, fruto de seu estado fragilizado, mas também como uma forma de manter viva a imagem de Giuseppe através de Jeanne, representação de uma parte desconhecida da vida do filho. A presença da garota, e sua crença na chegada do namorado, enchem de vida o ambiente lúgubre da mansão vazia, com seus espelhos cobertos por panos pretos, e o cotidiano solitário de Anna.

Aos poucos, essas duas mulheres aparentemente distintas, encontram afinidades, para além do amor por Giuseppe ou do fato de serem francesas. Há uma espécie de reconhecimento de si mesma por parte de Anna na figura impetuosa da nora, até mesmo certa admiração, como na cena em que a observa se despindo e adentrando a água. Isso faz com que a jovem se torne não só uma companhia, mas também uma confidente, para quem expõe seu passado – o divórcio, a mudança para a Itália – e seus sentimentos reprimidos. A recíproca também ocorre, ainda que sem o total conhecimento de Jeanne, nas confissões feitas em mensagens de voz deixadas no celular do namorado, que Anna ouve secretamente.

A garota, por sua vez, parece não enxergar os fatos, que soam evidentes desde o primeiro encontro com a sogra até os olhares de pesar do caseiro, Pietro (Giorgio Colangeli). Messina legitima tal comportamento como uma forma de negação da realidade, carregada de culpa, já que um ato de infidelidade de Jeanne, causador do abalo no relacionamento com Giuseppe, é constantemente insinuado.

Com tantas nuances e conflitos complexos, A Espera exige muito de suas protagonistas, que entregam ótimas atuações. Poucas intérpretes possuem a capacidade para externar a amargura através do minimalismo de gestos e olhares sutis, porém profundos, quanto Binoche, que encarna ainda o espírito das clássicas matronas italianas, inclusive no uso do idioma. Já Lou de Laâge irradia beleza, desejo e vivacidade de modo mais físico e intenso, como na cena, tomada por uma notável carga de tensão sexual, na qual dança ao som de Leonard Cohen com dois rapazes que convidara para o jantar. Passagem que sintetiza a interação entre as personagens, dividindo momentos de intimidade, bem como o peso do arrependimento e a insegurança.

Num filme marcado por silêncios, e que oferece poucas respostas concretas, são as duas atrizes que garantem grande parte do envolvimento do público, resgatando-o dos desvios causados pela ambição autoral de Messina. Tendo trabalhado como assistente de Paolo Sorrentino, o diretor estreante divide com seu mentor o apreço pelos exageros estilísticos, que muitas vezes se sobrepõem ao conteúdo sem elevá-lo dramaticamente. Messina compõe diversos planos que, apesar da inegável plasticidade – realçada pelo registro das paisagens sicilianas -, simplesmente soam vazios, como as imagens de Lou de Laâge emergindo das águas, o copo de plástico rodopiando sobre a mesa ou o colchão inflável carregado pelo vento.

O cineasta demonstra também falta de sutileza na construção alegórica ligada à religião apresentada desde a já mencionada cena inicial, passando pelos atores iluminados e enquadrados como figuras sacras – vide a cena de Jeanne na mesa de jantar frente a um majestoso vitral - até a procissão de Páscoa do ato final. A data, aliás, oferece a principal metáfora do longa, a da ressurreição, explorada sem pudores por Messina. Entre os cacoetes técnicos e simbolismos explícitos, o longa ganha ares de artificialidade, mas consegue recuperar sua humanidade quando se volta a Binoche e de Laâge. Em sua conexão silenciosa pela aceitação, as atrizes fazem com que as dores dessa experiência sejam sentidas de maneira genuína.

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