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Sinopse

A chegada de uma condessa, prima de sua noiva, bagunça a vida de um advogado que estava de casamento marcado. A recém-chegada que retorna da Europa após se separar do marido e o noivo relutante se apaixonam perdidamente.

Crítica

Analisar A Época da Inocência é como tentar descobrir as sutilezas e a profundidade artística por trás de uma belíssima pintura pendurada em um salão luxuoso. Não à toa, uma das últimas imagens que temos do protagonista interpretado por Daniel Day-Lewis é exatamente esta, a de um homem procurando em um quadro o sentido muitas vezes imperceptível na beleza apenas aparente da obra, que na verdade guarda um sentimento e uma jornada muito mais complexos do que a primeira vista poderia revelar. E somente os inocentes (leia-se: os ingênuos) aos quais o título se refere deixariam de enxergar no filme de Martin Scorsese os sutis conflitos e disputas de ego e reputação que se dão sob o semblante belíssimo de uma direção de arte estonteante.

Um design de produção que não venceu o Oscar na categoria, aliás, embora o longa tenha sido devidamente reconhecido por seu figurino. Mas não cito a cuidadosa decoração de cenários do projeto apenas por sua irresistível beleza, mas porque esta é importante para a construção do roteiro. Veja, ela está lá para nos deslumbrar, maquiar o plot, esconder o jogo entre o sentimento e a tradição de uma sociedade puramente conservadora. A trama conta a história do advogado Newland (Lewis) que, prestes a casar com May (Winona Ryder), apaixona-se pela prima de sua noiva, a recém chegada Ellen (Michelle Pfeiffer), com quem mantém uma paixão não consumada. Algo que o Tolstói de Anna Karenina teria parado para assistir.

A Época da Inocência tem início sobre um palco de teatro, espaço onde os principais personagens que encenarão a história assistem distraídos à ópera que ali se encena, alheios ao homem que dos bastidores observa uma mulher que não é aquela destinada a casar-se com ele. Este plano só não sintetiza perfeitamente o filme porque, mais adiante, há um muito mais delicado e subjetivo que, ao som de uma música de Enya, mostra dezenas de homens andando pelas ruas de Nova York segurando seus chapéus devido ao vento intenso que tenta levá-los. Quase como por pura convenção, cumprimentam todos que passam, apenas num ato automático e desprovido de sentido.

Abordagens como essa, aliás, é que fazem de Scorsese um cineasta sempre admirável; durante o diálogo em que Ellen descobre que seus planos não darão certo, por exemplo, o diretor insere um plano no qual as toras dentro de uma lareira sucumbem enfraquecidas pelo fogo. Uma inserção quase idêntica a que faz mais tarde quando o mesmo ocorre a Newland em uma conversa com May, em uma elegante rima visual. Do mesmo modo, muitas vezes Scorsese coloca brevíssimos takes dos pratos servidos e das miudezas que decoram as mesas de jantar, afim de destacar a importância destes “detalhes” para aquelas pessoas, assim como uma súbita mudança na iluminação em certo momento, que repentinamente passa para o vermelho, anuncia o perigo percebido pelo advogado. Falando no homem por trás das câmeras, o próprio diretor faz aqui uma ponta como um fotógrafo, idêntica a que faria quase vinte anos depois em A Invenção de Hugo Cabret (2011). Porém se piscou, perdeu.

Essas leituras são possíveis também graças ao talento de intérpretes como Day-Lewis, que, como sempre, parece, apenas pela presença de sua persona, transformar toda uma obra em um profundo estudo de personagem. Dessa vez sua fala mansa e incomodativamente polida denota o auto controle de um genuíno espécime da alta sociedade, enquanto constantemente se entrega a um olhar exausto que evoca sua percepção do fútil ao seu redor. E é curioso notar que: acostumado a retratar as criaturas suburbanas da cidade de Nova York, Scorsese, ao abordar a nata social da cidade da liberdade, continue a tratar dos mesmos tipos distorcidos enterrados na selva de pedra, aqui num cenário de aparências.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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