Crítica


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Sinopse

Depois de perder o marido num acidente terrível, uma jovem mulher decide mergulhar de cabeça no trabalho como forma de lidar com tudo isso. Porém, o beijo de um colega muda suas perspectivas.

Crítica

Nathalie sempre acreditou no amor. Até o dia em que deixou de acreditar. E foi assim, de uma hora para outra, sem tempo para despedidas, sem avisos ou alertas. Quando percebeu, estava sozinha no mundo, tão sozinha que pensava que seu tempo já havia passado. Mas um dia, tão inesperado quanto o outro, uma porta se abriu e, sem mais nem menos, ela se levantou, caminhou até Markus – um dos seus funcionários, alguém em quem nunca havia reparado mais detalhadamente antes – e deu-lhe um beijo. Esse impulso veio com a mesma força que se foi, e após aquela inesperada manifestação de carinho, voltou para sua mesa e perguntou o que ele queria para ir entrando assim, no meio da tarde, em sua sala. E a partir daquele instante a vida dele nunca mais foi a mesma.

Markus nasceu na Suécia, mas assim que lhe foi possível fez de tudo para sair de lá. Já morando em Paris, conseguia se recolher ao anonimato que só as grandes cidades proporcionam para levar uma vida sem grandes emoções, nem irrecuperáveis frustrações. Nunca acreditou no amor, e o único sentimento que outras pessoas já direcionaram a ele sempre vinham acompanhados de intenções não muito nobres – humilhação, desprezo, tristeza, rancor. Não é um homem bonito, mas também não chega a ser apontado nas ruas por uma feiura descomunal. É comum, sem grandes expectativas, e acreditava que sozinho estava bem melhor. Isso até ter que resolver um assunto relativo a um projeto de trabalho com sua chefe, Nathalie. Claro que sabia da beleza dela, e também do trauma que carregava. Nunca, nem por um único momento, havia pensado na hipótese dos dois juntos. Habitavam esferas diferentes, e sabia disso, ainda que instintivamente. Mas ao abrir a porta daquela sala, após bater anunciando sua presença, não teve reação ao vê-la se levantar, vir em sua direção e dar-lhe o beijo que mudaria para sempre sua vida. E a partir daquele pequeno gesto estava irremediavelmente condenado.

A união destes dois personagens tão improváveis forma o centro da ação de A Delicadeza do Amor, um filme tão apaixonante quanto belo. Baseado no romance de David Foenkinos, foi dirigido pelo autor em parceria com o irmão, Stéphane Foenkinos. E além dos diálogos inspirados e das grandes situações armadas pelo roteiro – que reproduz quase que fielmente o que está descrito no livro – muito do mérito está na escolha dos dois protagonistas. Audrey Tautou é um ícone do cinema francês, e seu rosto clássico e os grandes e expressivos olhos negros comprovam que o talento está além do que a estampa oferece. François Damiens (15 Anos e Meio, 2008), da mesma forma, não poderia ser mais apropriado – a impressão que se tem é de que Foenkinos escreveu o personagem com o ator em mente. E o casal, por mais estranho que pareça à primeira vista, funciona com perfeição, estabelecendo entre eles uma química rara e precisa.

A Delicadeza do Amor é um filme que fala sobre recomeços, sobre novas chances e sobre o quanto é importante nunca deixar de acreditar. Numa sociedade como a atual que valoriza cada vez mais a superfície, é por demais interessante perceber um discurso que se propõe a explorar o conteúdo, o interno, aquilo que não se vê mas que constitui a base para qualquer relacionamento de fato verdadeiro. O título original, La Delicatesse, explora ainda mais a amplitude dos pequenos gestos, do quanto cada detalhe insignificante pode definir toda uma existência, de como somos produtos de nossas histórias e como as armadilhas da vida formam aquilo que oferecemos aos demais. Ninguém vem do nada nem está sozinho. Às vezes estamos somente perdidos, e se encontrar – em si e nos outros – faz toda a diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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