Crítica

É tão gostoso e fácil de se assistir a esse A Datilógrafa, que a única questão que permanece ao término da sessão é a respeito do porquê este título nacional tão infeliz?! Por favor, quem irá ao cinema conferir um filme chamado A Datilógrafa!? Essa profissão nem existe mais! Nem na França, onde o filme foi feito e um país notoriamente muito mais cinéfilo que o Brasil, tiveram coragem de batizar esse longa de forma tão estapafúrdia! Populaire – no original – algo como Popular ou Popularidade, seria bem mais apropriado.

Sim, temos como protagonista uma datilógrafa. E o espectador com menos de 20 anos sabe o que é isso? Pois então, trata-se de uma secretária especializada em datilografar textos numa máquina de escrever (uma versão pré-histórica do computador, digamos). E é assim pois estamos em 1958, no interior da França, época em que Rose – a garota em questão – decide se emancipar do pai superprotetor e de um futuro bastante convencional como dona de casa ao lado de um marido mecânico. Ela sai de casa, vai para um liceu para poder estudar e passa a trabalhar para o contador Louis Échard.

O cenário parece perfeito, mas é justamente aí que começam os problemas. Rose, apesar de bem intencionada, é um desastre só. Desorganizada, esquecida, atrapalhada. Seu único dom evidente parece ser a habilidade e rapidez para datilografar textos – mas com uma deficiência: ela tudo faz usando apenas o dedo indicador. Essa peculiaridade desperta o espírito competitivo do patrão – ele próprio um ex-esportista – que decide ensiná-la como datilografar corretamente, empregando todos os dedos da mão, além de prepará-la para disputas e campeonatos de datilografia – sim, por mais incrível que possa parecer, essas competições de fato existiram.

A impressão que se tem é de que na Europa e nos Estados Unidos tudo pode virar motivo de aposta para se estabelecer quem é melhor do que o outro. Como quem tem os melhores argumentos em uma discussão (O Grande Desafio, 2007) ou quem é mais eficiente ao soletrar palavras (Palavras de Amor, 2005). Pois chegou a vez do cinema enfocar outra disputa absurda, porém com muito mais humor e charme do que estas anteriores. E muito disso se deve à química quase que irresistível que se estabelece entre os protagonistas Déborah François (O Monge, 2011) e Romain Duris, um dos mais versáteis e charmosos atores do atual cinema francês. Os dois adotam um tom quase farsesco que cai muito bem na metade inicial da trama, abrindo espaço com cuidado para o romance que, aos poucos, se instaura entre eles.

A Datilógrafa é um filme bobinho e fácil de ser esquecido, mas que diverte e entretém com competência durante sua execução. Dono de cinco indicações ao César (o Oscar da França), inclusive à Melhor Primeiro Filme, para o diretor Régis Roinsard (também autor do roteiro), foi muito bem recebido pelo público em seu país de origem. Motivos para isso não lhe faltam, como a história ágil, a boa reconstituição de época, a curiosa – e às vezes enviesada – discussão que promove sobre os direitos femininos no ambiente de trabalho e até pela rápida, porém significativa, participação da bela Bérénice Bejo, em seu primeiro papel após a indicação ao Oscar por O Artista (2011). No entanto, é de se lamentar o fato de que provavelmente ele vá passar quase que incógnito pelo espectador brasileiro. Também, com um nome desses...

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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