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Sinopse

Cleveland Heep é um síndico de um condomínio que resgata uma jovem misteriosa que, na verdade, é personagem de um conto de fadas que está tentando voltar ao seu mundo. Ele se envolve cada vez mais com ela, esforçando-se para protegê-la das criaturas mortais que a impedem de voltar para casa.

Crítica

Na época de seu lançamento nos cinemas, A Dama na Água foi apontado como sendo o filme mais simples do diretor M. Night Shyamalan. E de fato o é, mas talvez por isso mesmo seja, também, o mais difícil. Até aquele momento, cada espectador atraído por um novo trabalho do realizador de O Sexto Sentido (1999) estaria, naturalmente, esperando repetir aquela surpresa reveladora final, buscando ser ludibriado pelas próprias percepções num twist inesperado – porém aguardado – que mudará seu ponto de vista. Isso, no entanto, aqui não acontece. Em seu lugar, temos um belo conto de fadas, ou como o realizador prefere chamar, “uma história de ninar”, que deverá encantar aqueles que forem desprevenidos e estiveram dotados de um coração aberto a uma experiência singular.

Cleveland Heep (o excelente Paul Giamatti) é um homem que, após uma tragédia familiar, decidiu viver dentro de um casulo. Largou a profissão e hoje ganha a vida como zelador de um condomínio. Ali, entre outras funções, deve cuidar do uso da piscina, que tem acesso proibido após as 19h. Nos últimos dias, entretanto, vem percebendo que alguém a tem usado à noite. Na espreita para descobrir o infrator, acaba se deparando com Story (Bryce Dallas Howard, protagonista do anterior A Vila, 2004), uma narf, um ser mitológico. Ela veio do ‘Mundo Azul’ para servir de inspiração a um escritor – residente no prédio – que irá escrever palavras que mudarão a realidade. Passada a admiração, Heep terá duas missões nada fáceis: descobrir quem dentre os residentes precisa da ajuda mágica e – a mais complicada – como enviar aquele ser fantástico de volta ao seu universo.

Shyamalan faz uso em seus filmes de uma premissa similar à vista nos filmes da saga X-Men: como tratar de um assunto extraordinário dentro de uma proposta realista. E, apesar dos preceitos se manterem, ele não repete a temática. Assim fez ao tratar do sobrenatural (o já citado O Sexto Sentido), das histórias em quadrinhos de super-heróis (Corpo Fechado, 2000), das invasões alienígenas (Sinais, 2002) e do medo medieval por monstros inexplicáveis (A Vila). Suas obras possuem diversas – e muitas vezes, nada óbvias – camadas de leituras, o que pode, num sentido inverso, fazer que o espectador acabe se levando por uma impressão inicial. Faz-se necessário no espectador um esforço além para se aprofundar naquele conceito sugerido. E em A Dama na Água este radicalismo é ainda mais evidente. Neste sentido, o filme aproxima-se de longas como O Senhor dos Anéis e a saga Harry Potter, porém de modo mais adulto e severo: ou se compra o que está sendo proposto de imediato, ou a rejeição será inevitável.

Numa análise cuidadosa, A Dama na Água trata de temas pertinentes para um mundo em transformação. A questão da magia e da fantasia parece levar o assunto para uma discussão pueril, mas o que está sendo levantado aqui não tem nada de leviano. O que se vê na tela é a descoberta das diferenças e a necessidade da tolerância e do fim do preconceito como meio de união e progresso. Tarefas são propostas, e nunca o resultado imediato será o mais acertado. Tudo precisa ser revisto, estudado e pensado com precisão e seriedade. Ou seja, a superfície não é honesta, pois a verdade está escondida por detrás das máscaras, dos clichês.

Uma nova possibilidade de realidade só será viável quando nos desfizermos de tudo que nos prende a uma visão antiquada e, acima de tudo, ultrapassada. E o mesmo acontece em A Dama na Água. Mera peça de entretenimento ou algo superior, rápido passatempo ou objeto de transformação? Claro que na hora da pipoca as primeiras opção poderão falar mais alto, e poucos serão os dispostos a sacrificar raros momentos de lazer para um exercício de sacrifício e entrega. Mas estes certamente serão recompensados com uma história incrivelmente bela, comovente e encantadora.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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