Crítica


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Sinopse

Representantes do alto escalão do nazismo se reúnem no sudoeste de Berlim em 20 de janeiro de 1942. Por sua importância história e consequências, o episódio ficou célebre e conhecido como Conferência de Wannsee.

Crítica

A Conferência de Wannsee, evento histórico que aconteceu no subúrbio de Berlim em 20 de janeiro de 1942, foi a reunião da cúpula nazista para discutir o que era chamado de “solução final para a questão judaica”. Trocando em miúdos: um encontro para definir o que seria feito com os judeus situados na Europa, momento crucial para o desenho dos planos que resultaram no Holocausto. Trabalhando a partir do roteiro assinado por Magnus Vattrodt e Paul Mommertz, o cineasta Matti Geschonneck se aproxima bastante da proposta de Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (1957) ao colocar os vários personagens ao redor de uma mesa negociando os termos de algo controverso e de extrema relevância. Fora as poucas saídas à parte externa da mansão e os eventuais papos ligeiros em cômodos e corredores, uma sala enorme abriga essa dinâmica em que o destino de milhões de pessoas foi decidido. Mas, diferentemente do filme norte-americano aqui utilizado como referência e paradigma, a produção alemã não enfatiza o desconforto dos presentes. A Conferência está mais para uma tentativa não tão bem-sucedida de criar atmosferas. Nelas, a motivação é o choque entre interesses e perspectivas distintos sobre questões caras ao nazismo. Falta aquilo que eletrifica cada palavra e gesto no filme de Lumet. Sobram descrições frias de métodos e ponderações técnicas sobre atrocidades.

Possibilidades não faltam. A começar pela heterogeneidade de posições, interesses e entendimentos entre os presentes nessa tão fatídica reunião. Há advogados, militares (de alta e de mais baixa patente), burocratas, entre outras atribuições consultadas à tomada de uma decisão tão importante. No entanto, são poucos os personagens que ganham atenção suficiente para sobressair como representantes desta ou daquela corrente de pensamento. Em grande parte de A Conferência somos submetidos a conversas frias sobre procedimentos e critérios utilizados para se chegar a determinada constatação. Falta tensão nos conflitos de interesses que surgem ao redor desse móvel que poderia simbolizar um campo de batalha retórico. Vejamos como exemplo a natureza metódica da escolha dos lugares à mesa. Parte fundamental da estratégia de aproximação, em que os aliados a serem persuadidos ficam próximos dos oradores, ela não ganha equivalência no processo de convencimento das vozes dissonantes. Assim, o roteiro fica preso demais num jogral explicativo/informativo, sem revelar o que está por trás (na essência) dos diálogos e/ou implícito em cada resignação dos minimamente ponderados diante da sanha da maioria sanguinária. O cineasta sequer se esforça para revelar o quão revoltante é a abordagem tecnocrata de diversas questões que expõem desumanidade e falta de compaixão.

Diferentemente do colega Sidney Lumet, que em 12 Homens e uma Sentença utiliza o espaço para sublinhar a dificuldade dos jurados de chegar a um consenso sobre culpa ou inocência, Matti Geschonneck se contenta com um jogo cênico que reproduz a burocracia da ocasião no que ela tem de mais cansativo. A decupagem (divisão do roteiro em planos) restringe a imagem a um pingue-pongue pouco ambicioso do ponto de vista cinematográfico, basicamente focalizando sucessiva e repetidamente a pessoa que detém a palavra naquele momento. Mesmo um ambiente amplo e arejado como a sala de reunião poderia se tornar uma panela de pressão se as diferenças fossem cozinhadas e servidas à mesa como prato principal. No entanto, elas surgem apenas como meras pontuações de que nem todos ali pensam do mesmo jeito ou, quando muito, para gerar as falsas polarizações. Falsas, porque como estamos falando de um bando de nazistas reunidos (ou seja, ninguém ali é bonzinho ou legal), o jurista teimoso quanto à lei ser cumprida com rigor sobre a consideração de quem é judeu corre o risco de ser lido como uma espécie de homem ponderado. Sua vaidade é denunciada pelos colegas discordantes, mas o filme não faz qualquer esforço para essa característica ser fundamental ao figurão e à sua atuação por ali. Um filme em que os planos são lidos, explicados e depois protocolados. Apenas isso.

Em certos instantes da trama, personagens ameaçam romper a mesmice. Os oficiais de campo quase protagonizam algo interessante em contrariedade aos colegas que atuam longe do front e diretamente detrás de suas mesas de escritórios. Mas, nada que vá além de meia dúzia de diálogos sem muita força e ressonância dramática. O longa-metragem alemão é displicente quanto ao material humano e às suas contribuições singulares para um episódio historicamente relevante. Sim, pois a logística do extermínio judeu foi estabelecida na Conferência de Wannsee, mesmo com vozes discordantes que clamavam por métodos de assassinato em massa mais “humanos” (oi?). Falta coragem ao realizador para realçar com tintas apropriadas a brutal necropolítica do nazismo sendo colocada em prática. Ele parece excessivamente interessado em acentuar coisas um pouco mais superficiais e triviais, tais como rivalidades, interesses pessoais e a presunção dos membros do nazismo, do que observar com o adequado escárnio a leviandade generalizada na discussão sobre os rumos de milhões de vidas. Não apenas um filme morno, em que a imagem e o som quase se tornam meras formalidades, pois não têm seus potenciais explorados em prol da uma visão crítica daquilo tudo, A Conferência é ainda uma jornada em que o resgate histórico acontece de modo convencional e pouco intenso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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