Crítica

Exibido no Festival do Rio 2015 sob o título A Bela Estação – que seria uma tradução direta e mais apropriada do original La Belle Saison – o drama romântico escrito e dirigido por Catherine Corsini volta agora ao foco das atenções sob o título Um Belo Verão como parte da sexta edição do My French Film Festival, um dos maiores e mais democráticos festivais de cinema francês de todo o mundo. E ainda que agora esteja disponível online para qualquer espectador mais curioso, é inegável que seu público alvo é mesmo o homossexual – afinal, trata da história de amor entre duas garotas. Uma definição, no entanto, tão limitadora quanto incapaz de abraçar todos os méritos do projeto.

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Corsini, diretora dos comoventes e provocadores Partir (2009) e 3 Mundos (2012), consegue em Um Belo Verão talvez o seu filme mais solar. É uma história sobre revelações e conquistas, deixando para trás elementos de culpa e arrependimento, tão presentes em seus trabalhos anteriores. Ainda que, sim, a estação dos principais acontecimentos vistos em cena seja mesmo aquela mais quente e própria a ambientes externos – tanto literal quanto no sentido figurado – a denominação francesa abrange conceitos maiores, pois se refere também ao importante momento de autodescoberta e aceitação vivido pela protagonista, interpretada sem reservas por Izïa Higelin (Samba, 2014). Um período inegavelmente belo, mas ao mesmo tempo problemático.

Delphine (Higelin) é uma garota do interior que vive das lidas no campo, mostrando-se tão ou mais importante do que o próprio pai nos afazeres diários. A família é pequena – os pais e ela – e não há muito o que fazer além de colocar a mão na massa. Suas únicas distrações parecem ser evitar os avanços românticos de Antoine (Kévin Azaïs, de Amor à Primeira Briga, 2014) e flertar com uma ou outra garota da região, moças que encontra tarde da noite em lugares escondidos e sem maiores compromissos. Quando a última namorada decide deixá-la para se casar com um rapaz, ela se dá conta que está mais do que na hora de fazer o mesmo – partir, e não encarar uma vida heterossexual. Paris é seu rumo, onde pretende estudar e perseguir uma realidade diferente e mais aberta às novidades. E, provavelmente, rumo a quem ela é de verdade.

Já nos primeiros dias se encanta com Carole (Cécile de France, de Além da Vida, 2010) uma jovem como ela, porém mais consciente a respeito do que quer para si e para seus iguais. Militante feminista, não hesita em lutar por seus direitos e nem buscar por um mundo melhor. Acontece que Carole tem um namorado, e nunca havia ficado com outra mulher. Mas a atração entre as duas será irresistível, a ponto de motivá-la a rever sua orientação sexual. Envolta por essa nova paixão, se vê obrigada a ir atrás de Delphine quando essa precisa voltar para casa após o pais sofrer um infarto. Se na capital o normal é redefinido e as diferenças de cada um podem ser encaradas com maior naturalidade, como reagirá uma pequena comunidade do interior diante um casal de lésbicas? E importante o aviso: estamos falando do início dos anos 1970, e não dos tempos atuais.

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Catherine Corsini tem muito o que discutir em Um Belo Verão. Qual o preço de assumir sua verdadeira natureza, até que ponto pode ir a hipocrisia das pessoas menos esclarecidas e o que é necessário na construção do verdadeiro amor são temas abordados com maior ou menor intensidade. Delphine vai da escuridão rumo à luz, e isso ela encontra em Carole, pessoa forte e determinada. Porém, quando estão juntas, é impressionante como o contrário é que começa a acontecer – vão ambas aos poucos se apagando, ao invés de se iluminarem. Amar é saber largar, já dizia o sábio, e se as duas precisam aprender a lidar com quem são de verdade, aqui temos um conto que talvez fale mais a respeito de quem o observa do que sobre estes personagens que estão apenas no começo de suas trajetórias. Afinal, o importante talvez não seja apenas o percebido, mas a reflexão gerada a partir de tais eventos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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