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Sinopse

Pai e filho comandam de modo pacato um necrotério numa cidadezinha dos Estados Unidos. Contudo, um caso complexo ameaça essa pasmaceira: uma mulher desconhecida foi encontrada morta nos arredores da cidade. A partir da chegada do cadáver dela, coisas estranhas começam a acontecer.

Crítica

Necrotérios são cenários naturalmente intimidadores. O diretor norueguês André Øvredal utiliza muito bem esse potencial para provocar medo, tornando-o pilar do clima de A Autópsia. O corpo da jovem desconhecida, encontrado misteriosamente numa cena criminal, em princípio, sem relação identificável com as demais vítimas, logo começa a ser estudado por Tommy (Brian Cox) e Austin (Emile Hirsch), respectivamente pai e filho. Vemos a esfera científica em ação, procedimentos corriqueiros de reconhecimento das múltiplas lesões internas e externas, e correlações de prováveis pretextos, embora o patriarca se atenha geralmente aos fatos, deixando os desdobramentos aos investigadores. Antes mesmo que o estranhamento seja deflagrado, temos uma eficiente construção atmosférica que dá conta de segurar a nossa atenção, amplificando o macabro sempre que possível. O rádio sintonizando automaticamente e as luzes que oscilam sem aparente razão instauram receio no espectador.

No começo, as etapas da autópsia surgem como peças protocolares de um quebra-cabeça. As evidências fornecidas pelo corpo da desconhecida – chamada genericamente de Jane Doe (Olwen Catherine Kelly) – apontam para caminhos muitas vezes esfumaçados, confusos. Mesmo que vejamos os especialistas cortando a mulher prostrada, retirando seus órgãos vitais repletos de cicatrizes e queimaduras, removendo sua pele para estudo, o semblante que guarda vivacidade sinistra é um forte indício da existência de algo para além da dimensão terrena. André Øvredal não nos poupa dos detalhes, pelo contrário, mostrando as incisões, o sangue escorrendo (indevidamente) da defunta e as vísceras expostas. Entretanto, o sensacionalismo e/ou a apelação passam longe de A Autópsia, pois esse itinerário é entendido, de acordo com a encenação, como parte de uma metodologia natural e corriqueira. Tudo isso, porém, é um preâmbulo do horror estabelecido assim que o sobrenatural se impõe.

Øvredal contrapõe a atuação pragmática de Tommy e Austin, eles que dissecam a “vítima” espontaneamente, afinal desempenham a função todos os dias, com a improbabilidade do extraordinário. O diretor lança mão de convenções do horror, tais como luzes apagadas sem intervenção humana, portas abertas inexplicavelmente, barulhos incomuns ao local, entre outras, a fim de preparar o terreno. O mais amedrontador, porém, é o corpo inerte da desconhecida que, dadas as circunstâncias, parece conspirar contra a vida dos perscrutadores profissionais de cadáveres. Aliás, a sensação predominante de desespero ganha densidade quando os personagens acreditam ter encontrado as devidas respostas. Os sustos são constantes em A Autópsia. A maioria é eficaz, mas alguns deles só atendem à necessidade, nem sempre justificada, de causar novos sobressaltos. A relação das pessoas com as idiossincrasias do ambiente e o mistério advindo da morta seriam suficientes para atemorizar.

André Øvredal aposta na supressão de qualquer dubiedade, permitindo ao pavor dominar a trama literal e gradativamente. As conclusões dos personagens, excetuando as técnicas, especialmente as de natureza religiosa, soam demasiadamente precisas e incontestes, o que causa uma dissonância prejudicial. Contudo, A Autópsia se beneficia sobremaneira da habilidade do diretor no engendramento dos elementos caros ao gênero, exatamente para a obtenção de uma impressão de perigo permanente e progressivo. Ao cadáver inanimado de Jane Doe é conferida uma aura de grande ameaça. Seu olhar cinza e petrificado, fotografado de tal maneira expressiva que denota inequívoca malignidade, é a porta de entrada do inferno simbólico impingido ao pai e ao filho que, então, se deparam com a violência de forças ocultas, distantes da compreensão racional. Apesar de apelar a certos lugares-comuns do horror, é um filme de personalidade, inclusive com significativo potencial para originar uma nova franquia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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