Crítica


6

Leitores


5 votos 6.8

Onde Assistir

Sinopse

Em 22 de julho de 2011, 77 pessoas foram mortas por um fanático de extrema-direita que detonou um carro-bomba em Oslo e em seguida disparou contra adolescentes em um acampamento. O evento ficou conhecido como o maior ataque terrorista da história da Noruega. Após o desastre, acompanhamos a jornada física e emocional de um dos sobreviventes, que acaba servindo como retrato do caminho de uma nação rumo à superação e reconciliação.

Crítica

Não é novidade o apreço de Paul Greengrass por enredos baseados em episódios verídicos de intensidade dramática e importância histórica. Ele remontou à famigerada guerra civil irlandesa decorrente da morte de ativistas dos direitos humanos em Domingo Sangrento (2002); encarou, antes de qualquer um, as cicatrizes do 11 de setembro em Voo United 93 (2006); e, ainda, buscou na realidade inspiração para Zona Verde (2010) e Capitão Phillips (2013). Portanto, não é necessariamente surpresa o seu interesse pelos atentados de 22 de julho de 2011 em Oslo, na Noruega, nos quais 77 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas. 22 de Julho, primeira produção original Netflix assinada pelo cineasta, começa em alta voltagem, mostrando de maneira ágil e direta, com a competência contumaz de Greengrass, os preparativos e a posterior execução do plano do extremista Anders Breivik (Anders Danielsen Lie), que abate dezenas de adolescentes num acampamento, isso após detonar uma bomba de efeito devastador no centro do poder da capital, assumindo um discurso radical.

22 de Julho se estabelece, inicialmente, com propriedade num terreno narrativo caro ao realizador, exatamente o decurso intensificado por uma montagem acelerada em consonância com a trilha sonora incisiva e a precisão para ressaltar determinadas atitudes dos personagens. A secura com que a ação de Anders é apresentada acentua a selvageria e a frieza do episódio. Ele mata como se fosse uma máquina programada para tal, sem demonstrar conflito de sentimentos ou algo que o valha. Um pouco antes do massacre, Viljar (Jonas Strand Gravli) é destacado dos demais como um jovem consciente, defensor do multiculturalismo na Europa e adepto da facilitação da imigração. Portanto, no que tange aos seus valores, possui posicionamento diametralmente oposto ao do seu algoz, membro da extrema-direita delirante, preconceituosa, cujo crescente discurso contra as minorias é preocupante. Como todo protofascista, o agressor acredita na validade da violência acentuada, desde que isso garanta a soberania do continente e a expulsão dos estrangeiros.

Passada a correria instaurada até a hospitalização das vítimas, Greengrass ensaia diversos caminhos. Primeiro, o drama médico, com a família de Viljar acompanhando as tentativas de salvaguardar a vida então por um fio. Segundo, o exemplar jurídico com pitadas de discussão ética, uma vez que há investimento no dilema moral do advogado requisitado para defender o réu, com incompatibilidades ideológicas banalmente mencionadas. Terceiro, o filme de superação, calcado na força de vontade do rapaz que se recupera a duras penas na fisioterapia. No meio disso, coadjuvantes enfraquecem abertamente, vide a pouca expressividade da antes ativa mãe do protagonista, o quase emudecimento do pai outrora relevante, e a utilização breve da amiga médio-oriental como suporte emocional. Até a ligação com o irmão Torje (Isak Bakli Aglen), supostamente basilar, vida a dinâmica no momento do tiroteio, é relegada a uma posição bastante periférica. Há uma perda de força e representatividade na medida em que todas essas instâncias se atravessam sem consolidar-se.

Paul Greengrass reafirma sua eficiência à construção de atmosferas de tensão e suspense, o mesmo não podendo se dizer do desenvolvimento dos dramas humanos, seara em que resvala no piegas. 22 de Julho é fruto desse desequilíbrio, embora carregue uma mensagem poderosa, especialmente em dias nebulosos como os nossos, ameaçados justamente pela ascensão dos ideais apregoados pelo assassino. O embate político permanece no centro das discussões, mas nem sempre de forma densa. De um lado, os que resistem, abrindo as portas para expatriados encontrarem um lar digno e seguro. Do outro, supremacistas que empunham a bandeira do patriotismo para justificar atrocidades. Nesse percurso acidentado, prevalecem os desempenhos de Jonas Strand Gravli, Thorbjørn Harr e Maria Bock, estes, intérpretes dos pais preocupados não somente com a integridade física dos filhos, mas também com as políticas mundiais de igualdade. Uma pena que Greengrass perca consecutivas oportunidades para tornar os desdobramentos tão fortes quanto a barbárie.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *