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Em virtude da estreia de Neruda (2016), escolha do Chile para representá-lo na corrida pelo Oscar, o Papo de Cinema resolveu mirar o passado, do recente ao longínquo, para construir um panorama das principais abordagens cinematográficas de poetas. Homens e mulheres, assim como o Pablo Neruda retratado por outro Pablo, o Larraín, que fizeram da poesia uma forma de expressão, via pela qual exorcizaram seus fantasmas, criticaram as misérias do mundo, declararam paixões e desgostos, entre outras coisas. A poesia erige a palavra a um pedestal sacrossanto, tornando-a a principal mediadora entre artista e leitores. E o cinema soube muito bem se aproximar de poetas das mais diversas vertentes, daqueles que fizeram da rima uma constante aos que subverteram o classicismo de sua antes incontestável imprescindibilidade. Não raro os poetas são vistos na telona como almas torturadas pela extrema sensibilidade aos dramas que os circundam. Sem mais delongas, vamos à nossa seleção. Confira e não deixe de comentar.

 

 

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A Cor da Romã (Sayat Nova, 1969)
Filmado no final dos anos 60, este filme armênio realizado por Sergei Paradjanov não é uma cinebiografia das mais tradicionais. Ao tratar das ideias e da vida de Harutyun Sayatyan, conhecido também como Sayat-Nova, trovador do século XVIII, o cineasta optou por um viés mais lírico e surrealista. Pouco ouvimos e conhecemos do texto de Sayat ao longo da narrativa, pois Paradjanov apresenta intencionalmente uma produção não-linear que se vale bastante da música e da falta de diálogos, refletindo nas imagens com rápidos cortes, assim como nos cânticos escritos pelo poeta, uma necessidade de comunicar o combate aos intolerantes e a acessibilidade à liberdade e ao belo. Vale destacar a atuação da atriz Sofiko Chiaureli, assumindo seis papéis, entre homens e mulheres. O trabalho de Parajanov é tão completo que, além de dirigir e escrever, o realizador cuidou de aspectos como edição, coreografia, figurinos e cenografia. Um primor ao transpor ao cinema as trovas de Sayat-Nova. Considerada uma das mais belas e instigantes obras do cinema por publicações como a Cahiers du Cinèma e a Sight and Sound, foi remontada por censores soviéticos, conseguindo ver a luz do dia e as telas do cinema somente nos anos 1980. – por Renato Cabral

 

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Crônica de Um Amor Louco (Storie di ordinária follia, 1981)
Um dos mais influentes autores do século XX, Charles Bukowski teve seu trabalho adaptado para o cinema pela primeira vez neste longa do italiano Marco Ferreri. A trama toma como base o livro homônimo, o primeiro dos dois volumes da compilação Ereções, Ejaculações e Exibicionismos, tendo como foco principal seu conto inicial, A Mulher Mais Linda da Cidade, que, assim como toda a obra do escritor, possui um caráter fortemente autobiográfico. Com sua habitual postura subversiva e contestadora, Ferreri se mostra o nome ideal para dar vida ao universo lírico e grotesco de Bukowski, no qual se insere o protagonista da história, Charles Serking (Ben Gazzara), poeta alcoólatra que inicia um relacionamento trágico e deturpado com a bela prostituta de tendências suicidas, Cass (Ornella Muti). Captando com intensidade ímpar a existência amargurada e solitária na Los Angeles dos “fracassados, dementes e malditos” descrita por Bukowski, o cineasta constrói momentos belíssimos, como a sequência inicial em que Serking declama o poema Estilo para uma plateia de estudantes ou o primeiro encontro com Cass no bar. Uma combinação que resultou num dos mais cultuados filmes da década de 80, valorizado pela melhor atuação da carreira de Gazzara e pela beleza despudoradamente estonteante de Muti. – por Leonardo Ribeiro

 

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O Carteiro e o Poeta (Il Postino, 1994)
Baseado no livro Il Postino, de Antonio Skármeta, este longa-metragem enfoca a bonita amizade entre Mario (Massimo Troisi), carteiro praticamente analfabeto, e Pablo Neruda (Philippe Noiret), poeta chileno então exilado numa ilha italiana em virtude de problemas políticos no seu país. Designado para entregar as correspondências a esse morador ilustre, o humilde trabalhador que transita pelos belos cenários com sua bicicleta, subindo e descendo morros para cumprir a função, começa a aprender a se expressar por meio da palavra, conseguindo, inclusive, colocar no papel seus sentimentos pela bela Beatrice (Maria Grazia Cucinotta). Neruda, por sua vez, encontra nesse homem um ouvinte atento, interessado por suas lembranças do Chile, principalmente as de um tempo em que as turbulências político-sociais não adquiriam sintomas de violenta repressão. Esta realização do diretor Michael Radford é quase toda calcada na aproximação de dois mundos aparentemente díspares, mas que se conectam por meio da bondade e da amizade. O longa-metragem foi indicado aos Oscar de Melhor Filme, Melhor Ator (Troisi), Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Melhor Trilha Sonora, levando este para casa. Um feito e tanto para uma produção italiana, na qual Neruda, já na maturidade, é um poeta saudoso da terra que o viu nascer.  – por Marcelo Müller

 

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Eclipse de Uma Paixão (Total Eclipse, 1995)
Traduzir em imagens um dos poetas mais selvagens e talentosos da França é uma tarefa complexa. A diretora polonesa Agnieszka Holland aceitou o desafio e chamou o então jovem ator Leonardo DiCaprio para dar vida a Arthur Rimbaud, mais precisamente em seus anos iniciais na vida de escritor. A escolha por abordar sua relação com o também poeta Paul Verlaine, interpretado pelo inglês David Thewlis, resultou num filme mais voltado à paixão que ao processo criativo de dois grandes artistas. O triângulo formado por Rimbaud, Verlaine e sua esposa Mathilde (Romane Bohringer) percorre uma Paris boêmia, com encontros regados a vinho e versos. A reconstrução de época e a direção de arte são impecáveis, transmitindo em tons terrosos a efervescência da noite francesa que inspirou poemas incríveis como Adormecido no Vale, traduzido para o português pelo também poeta Ferreira Gullar, falecido recentemente. Por mais que sempre haja uma liberdade poética, o filme é uma boa cinebiografia e consegue levar ao espectador um pouco da mente poderosa de Rimbaud e suas experiências intensas que resultaram em alguns dos versos mais importantes e citados da literatura mundial. – Por Bianca Zasso

 

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Antes do Anoitecer (Before Night Falls, 2000)
No papel que lhe deu sua primeira indicação ao Oscar (de melhor ator, num ano em que o vencedor foi Russell Crowe, por Gladiador), Javier Bardem interpreta o poeta cubano Reinaldo Arenas, que, homossexual assumido, foi perseguido pelo governo de Fidel Castro, exilou-se nos Estados Unidos e, atingido pela AIDS, cometeu suicídio no início dos anos 90. Bardem está estupendo, conduzindo o espectador pela Havana dos anos 70 com um misto de carinho, dor e ironia fina. O ator, aliás, se mostra muito desenvolto na relação com o texto, já que o filme é bastante falado, mesmo sendo esse um de seus primeiros papeis em língua inglesa – e emociona profundamente nos momentos mais duros da trajetória de Arenas. Há ainda, claro, a força da direção de Julian Schnabel, cineasta de olhar sempre cuidadoso, sensível, atento ao humano. Schnabel, que é também artista plástico, faz um cinema voltado ao mundo da criação artística, geralmente produzindo grandes filmes: além dessa belíssima cinebiografia de Arenas, ele dirigiu Basquiat:Traços de Uma Vida (1996), sobre o icônico artista nova-iorquino Jean-Michel Basquiat, e O Escafandro e a Borboleta (2007), sobre a luta pela vida (e por contar sua história) do editor da revista Elle, Jean-Dominique Bauby.  – por Wallace Andrioli

 

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Sylvia: Paixão Além das Palavras (Sylvia, 2003)
Embora o título carregue apenas o nome de Sylvia Plath, este longa é, na verdade, centrado em dois poetas: Sylvia (Gwyneth Paltrow) e seu marido Ted Hughes (Daniel Craig). Vendido como uma cinebiografia de uma das escritoras mais importantes do século XX, o filme da diretora Christine Jeffs prefere, entretanto, manter-se voltado apenas ao relacionamento tumultuoso entre o casal de protagonistas: o ponto de partida da narrativa é o encontro entre Sylvia e o futuro marido, com o roteiro não desviando muito do curso até o trágico desfecho. A vida de Plath, contudo, foi muito mais que um casamento problemático com um parceiro infiel. Até a constante luta contra a depressão – que a escritora infelizmente perdeu em 1963 – é colocada em segundo plano, frequentemente servindo como pano de fundo para a personagem ou como justificativa para seus surtos constantes de ciúme. A doença, o suicídio e até sua brilhante carreira literária são retratados sempre em função de Hughes, o casamento e as traições. Por mais que Paltrow e Craig façam um ótimo trabalho, este filme talvez não seja a melhor opção para quem quer conhecer Sylvia Plath a fundo; sua obra, seus diários e cartas fazem um trabalho, claro, bem melhor. – por Marina Paulista

 

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Lope (2010)
Neste belo trabalho de Andrucha Waddington, produção conjunta entre Espanha, Brasil e França, conhecemos o poeta Lope de Vega (1562-1635), um dos mais prolíficos e respeitados escritores da Espanha, aqui interpretado pelo argentino Alberto Ammann. Com o requinte de uma direção de arte caprichada, o cineasta brasileiro nos dá um retrato interessante do poeta e dramaturgo, que foge do lugar comum no que tange às cinebiografias de pessoas das letras. Não temos aquela figura solitária, ensimesmada, bolando sua próxima obra. Vemos um sujeito que voltou da guerra, ainda muito jovem, sem saber qual caminho seguirá no futuro. Sua indecisão com relação à vida profissional só é páreo para sua dúvida amorosa. Duas mulheres se apresentam como fortes paixões – Isabel (Leonor Watling) e Elena (Pilar López de Ayala). A obra de Lope é incluída organicamente na trama, um deleite para os admiradores, deixando nos neófitos curiosidade suficiente para se embrenhar em seus escritos. Com participações pontuais dos brasileiros Selton Mello e Sonia Braga, o longa-metragem foi indicado ao Goya, o Oscar espanhol, em sete categorias, tendo vencido duas delas: Trilha Sonora e Figurino. – por Rodrigo de Oliveira

 

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Flores Raras (2013)
A poetisa americana Elizabeth Bishop não é apenas uma das mais conhecidas do mundo por sua obra, mas também vencedora do Prêmio Pulitzer por sua singular visão do mundo. Fechada na aparência externa, sua alma era um turbilhão de emoções e um pequeno pedaço deste todo foi apreciado pelo diretor Bruno Barreto no longa-metragem lançado em 2013, que inclusive abriu o Festival de Gramado daquele ano. Aqui ele trata da relação de Bishop (Miranda Otto) com a paisagista Lota de Macedo Moraes (Glória Pires) quando a escritora veio ao Brasil passar uma temporada. Após um triângulo amoroso, as duas engatam de vez o namoro, tendo como pano de fundo o Rio de Janeiro pré-golpe civil-militar de 1964. É através da visão detalhada da poetisa que acompanhamos não apenas os percalços de sua relação explosiva e permeada por dramas internos, como também o envolvimento da própria Lota com o regime militar. Este é um filme honesto e melancólico na medida certa, que atinge ainda mais deslumbre por ter como protagonista uma personagem tão intrigante quanto Bishop e sua linha de pensamento inigualável. – por Matheus Bonez

 

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Uivo (Howl, 2015)
O movimento beat partiu de um grupo de norte-americanos, em sua maioria artistas, que vieram a se tornar conhecidos no final da década de 1950 e no começo da de 1960 por sua extrema sagacidade na tarefa de captar, escrever e relatar acontecimentos de maneira rápida, rasgante e pouco usual. Um desses garotos responsáveis por romper as estruturas literárias clássicas foi o jovem poeta Allen Ginsberg, aqui interpretado por James Franco em uma de suas atuações mais naturais, cativantes e descompromissadas desde o premiado telefilme James Dean (2011). Exibida nos cultuados festivais de Berlim e Sundance, a obra acompanha Ginsberg após a publicação, em 1957, do poema intitulado Howl, que a polícia apreendeu, com o argumento de que ele continha palavras obscenas, iniciando um julgamento no tribunal contra o editor. Apesar de não inovar em seu conceito cinematográfico, a produção se destaca pelo trabalho de montagem, que prima por intensos flashbacks, e o de fotografia, principalmente nas cenas a preto e branco que remetem ao passado de experiências reveladoras da pessoa de Ginsberg. O longa-metragem, apesar de não ter sido premiado, retrata uma legítima busca pela inovação, guiada pela juventude dos anos 1950. – por Victor Hugo Furtado

 

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Poesia sem Fim (Poesía sin fin , 2016)
Dando sequência a A Dança da Realidade (2013), que continha assumidos contornos autobiográficos, este filme selecionado para o Festival de Cannes revela um lado não muito conhecido do cineasta Alejandro Jodorowsky. Também escritor e com uma extensa criação em poesia, ele apresenta no longa-metragem um pouco de sua trajetória de amadurecimento pessoal paralelamente ao problemático relacionamento com o pai. Multifacetado, o chileno Jodorowsky – e, portanto, conterrâneo de outro poeta de renome, Pablo Neruda – trilha o caminho dos intelectuais dos anos 40 e 50 em Santiago, no Chile, conhecendo nomes como Stella Diaz e Nicanor Parra. Essa imersão na boemia e no mundo dos versos se dá na visão do diretor em tons surrealistas, como já era de se esperar, levando em consideração sua filmografia pregressa. Numa produção tão pessoal, exibida recentemente na Mostra de São Paulo, o cineasta cria um itinerário emocionante ao representar a sua rebeldia e a necessidade de perdoar os erros do passado. Intenso e por vezes imprevisível, este filme apresenta o trabalho e boa parte da vida de Jodorowsky em sua plenitude. – por Renato Cabral

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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