ray milland - the lost weekend 1945

Por sua presença constante em diversos rituais sociais, o álcool é também um elemento recorrente no cinema. Para além do mero registro de drinks ocasionais, de confraternizações repletas de bebidas, há uma série de longas-metragens dedicados, senão integralmente, ao menos parcialmente, à abordagem dos efeitos nefastos de exceder-se. Não são tão bissextos assim os filmes que se detém em percursos autodestrutivos regados a muita bebida alcoólica. Se antes, sobretudo até a metade dos anos 40, Hollywood evitava retratar o alcoolismo, quando muito envolvendo o tema em embalagem cômica, tudo mudou com o lançamento da primeira produção da nossa lista a seguir. Realizada por Billy Wilder, ela mostrava a dependência dos sucessivos copos cheios que permitiam ao personagem de Ray Milland uma fuga momentânea de sua miséria. Esta semana, como o lançamento de A Garota do Trem (2016), resolvemos elencar 10 filmes assim, importantes por mirar o alcoolismo. Confira!

 

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Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945)
Primeiro filme do mestre Billy Wilder a vencer as principais categorias do Oscar (Wilder repetiria a dose 15 anos depois, com a obra-prima Se Meu Apartamento Falasse, 1960), este poderoso melodrama impressiona por acompanhar, sem concessões, a descida ao inferno de seu protagonista, um escritor de meia idade frustrado e alcoólatra. No elenco, Jane Wyman vive a namorada e espécie de anjo da guarda do protagonista, que tenta a todo custo salvá-lo da degradação física e moral provocada por sua entrega sem pudores ao álcool, e a atriz é responsável por alguns momentos bem comoventes. Mas é mesmo Ray Milland quem causa arrepios, em sequências perturbadoras como a do delírio dentro de casa (em que Wilder se aproxima com brilhantismo do cinema de horror) e a da caminhada desesperada por Nova York em busca de um trago. Apesar de se equilibrar perigosamente na fronteira do moralismo, o filme consegue escapar dessa armadilha graças, portanto, à pungência tanto da direção de Wilder quanto da atuação de Milland. – por Wallace Andrioli

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Vício Maldito (Days of Wine and Roses, 1962)
Um dos grandes trabalhos de Blake Edwards, dono de uma filmografia bastante eclética, este filme demora um pouco para explicitar em sua narrativa o tema do alcoolismo, já que há uma grande preocupação do roteiro (escrito por J.P. Miller) de apresentar o envolvimento gradual do casal de protagonistas e como a bebida alcoólica vai, aos poucos, entrando em suas vidas, degradando sua relação. Mas quando Edwards enfim mergulha no vício dos personagens de Jack Lemmon e Lee Remick o resultado é uma série de momentos dramaticamente poderosos: a cena da estufa, o confronto no motel, a dolorosa sequência final, entre outros. Lemmon, um dos maiores atores de todos os tempos, é, claro, um monstro em cena, exalando tragédia em cada olhar de seu personagem. Mas Remick se revela tão fundamental quanto ele para o êxito do filme. Juntos, os dois protagonizam uma das mais tristes histórias de amor que o cinema já contou, quase um Despedida em Las Vegas (1995) avant la lettre. – por Wallace Andrioli

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Trinta Anos Esta Noite (Le Feu Follet, 1963)
O mais reverenciado dos primeiros filmes de Louis Malle, este calmo e profundo drama vencedor do Festival de Veneza apresenta as últimas 24 horas da vida de um suicida. Maurice Ronet entrega uma performance memorável e introspectiva como um alcoólatra que, ao deixar uma clínica de reabilitação, decide visitar amigos antigos na esperança de que eles lhe deem razões para continuar vivendo. Na ausência das justificativas, Malle direciona seu olhar não apenas para as sutis demonstrações de emoção de seu protagonista, mas também à falta de estímulos em sua vida; seu retrato da sociedade francesa dos anos 1960 é austero, nunca condescendente. O filme é uma adaptação do livro Fogo Fátuo, do escritor Pierre Drieu La Rochelle, que se inspirou na vida do poeta surrealista Jacques Rigaut, marcada pelos excessos – tanto do seu talento quanto do álcool e da depressão. Enquanto a narrativa se desenvolve lentamente, as câmeras de Malle raramente estão estáticas; elas caminham pelos subúrbios parisienses, sempre acompanhando a vida em suas atmosferas mais melancólicas – ainda mais dramáticas pelo som do piano que acompanha lindamente a história de Alain Leroy. Uma pequena obra-prima, polida à perfeição por um realizador então despretensioso, porém sempre singular. – por Conrado Heoli

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Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? (Who’s Afraid of Virginia Woolf?, 1966)
Nesta produção dirigida por Mike Nichols, Elizabeth Taylor e Richard Burton interpretam o casal de professores universitários alcoólatras Martha e George. Dependentes tanto da bebida quanto da relação autodestruitiva, eles convidam para um jantar de sábado à noite o mais novo professor da faculdade, Nick (George Segal), e sua esposa Honey (Sandy Dennis). Entre doses e mais doses de bebida, os jovens se veem em meio às brigas e o tom verborrágico dos anfitriões, ao passo que analisam o seu futuro como casal. Com performances excepcionais, Burton e, especialmente, Taylor, os protagonistas explosivos, entregam grandiosas atuações que injetaram vigor nas suas carreiras durante os anos 60. A presença do álcool como catalisador que desmascara da pior forma a sinceridade de Martha e de George é também uma maneira do roteiro de Ernest Lehnman retratar a dificuldade das relações humanas e suas complexidades. Entre doses de uísque e alguns dos melhores diálogos das produções norte-americanas dos anos 60, Nichols realiza um filme que reflete sobre a instabilidade e a destruição que a bebida pode causar num relacionamento. – por Renato Cabral

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O Veredicto (The Verdict, 1982)
Com direção de Sidney Lumet e roteiro de David Mamet, o longa acompanha a trajetória do advogado beberrão Frank Galvin (Paul Newman). Vivendo de bar em bar e sem um tostão no bolso, Galvin vê a chance de reverter sua situação com um caso facílimo, solucionável com um acordo extrajudicial: hospital administrado por igreja comete um erro e deixa uma mulher grávida em coma. Ao observar a jovem internada, ele decide buscar justiça e não apenas dinheiro fácil. A construção do protagonista é bastante interessante. Frank Galvin não é um herói. É um advogado mequetrefe, falastrão, que bebe como um peixe e age como um adolescente impulsivo. Atuando como um homem falho e interessantíssimo, Paul Newman entrega uma de suas mais competentes atuações. O ator não tem pudor algum em chegar ao fundo do poço junto de seu personagem. As bebedeiras e as formas irresponsáveis de viver são retratadas de forma única por Newman, que constrói um homem que simplesmente nunca cresceu, de uma ingenuidade nada consonante com seus cabelos brancos. Este filme só nos faz lembrar quanta falta faz um ator do seu porte no cinema atual. – por Rodrigo de Oliveira

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Quando um Homem Ama uma Mulher (When a Man Loves a Woman, 1994)
Pelo título, o protagonismo de Meg Ryan e o próprio trailer, pode-se dizer que este longa é clichê ao extremo. Porém, é justamente o contrário. Óbvio que há um viés romântico profundo no retrato do amor de Michael (Andy Garcia) por Alice (Ryan), sua esposa, com quem tem dois filhos. Mas há muito mais no longa de Luis Mandoki. A família parece perfeita. Isso até as constantes bebedeiras de Alice se tornarem um grande problema. Não são só “os micos” em público, mas a violência verbal contra o marido e as crianças, o passo à beira da insanidade quando internada em uma clínica, além, é claro, da clássica cena da estrela jogada debaixo do chuveiro. Este longa-metragem ganha pontos não só pelas atuações acima da média de seu elenco (inclusive dá saudade de ver Meg Ryan tão imersa em um bom papel) e da direção segura, mas também pela forma como o roteiro trata o alcoolismo sem medo. Melhor ainda: com uma mensagem positiva de que, sim, é possível melhorar, especialmente com a ajuda dos próximos que amam a pessoa. E ser sentimental está longe de ser piegas nesse quesito. – por Matheus Bonez

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Despedida em Las Vegas (Leaving Las Vegas, 1995)
Neste premiado filme de Mike Figgis, o alcoolismo não é apenas um tema, mas a principal característica do protagonista; é precisamente o que o define. No papel que lhe rendeu seu primeiro Oscar de Melhor Ator, Nicolas Cage vive Ben Sanderson, um roteirista alcoólatra de Hollywood que perde a família, os amigos e até o emprego por causa do vício. Incapaz de encontrar razão para continuar vivendo, ele viaja a Las Vegas decidido a “beber até morrer”; lá, ele encontra a prostituta Sera (Elisabeth Shue), com quem estabelece um estranho relacionamento. Longe de ser uma história de redenção ou de superação, o longa consegue se esquivar de lições de moral e sentimentalismos baratos, criando um retrato brutalmente honesto da deterioração que o alcoolismo – e o vício, de maneira geral – pode causar na vida de alguém. Além das performances brilhantes do casal principal como dois personagens profundamente complicados, Figgis faz uso de uma montagem dinâmica e da ótima trilha sonora para contrastar a temática pesada que aborda, o que faz deste filme um drama sombrio e triste que, entretanto, nunca fica cansativo.  – por Marina Paulista

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Hancock (2009)
Imaginem se o Superman fosse um cara beberrão e mal humorado. Essa é a premissa desse longa, que nos apresenta ao personagem-título, vivido por Will Smith, em uma fase complicada da vida. Dotado de superpoderes, tais quais voar, superforça e supervelocidade, o sujeito se ocupa como super-herói local – apesar de indesejado pela população, já que normalmente causa mais estragos que ajuda. Vendo nessa figura constantemente alcoolizada uma potencial inspiração para a humanidade, o relações públicas Ray (Jason Bateman) tenta fazê-lo largar seus vícios, se arrumar e tornar-se uma pessoa mais sociável. Nesse ponto, o protagonista encarnado por Smith é um homem bruto e de poucas expressões, mas que revela um lado mais humano conforme também descobre que pode fazer novos amigos. Obviamente, o habitual carisma do ator ajuda a comprar Hancock, apesar de seu comportamento truculento. Jason Bateman e Charlize Theron trazem performances divertidas, que também aliviam um pouco todo o peso do drama vivido pelo “herói” – o que condiz com o tom imposto pela direção de Peter Berg, que usa mais o alcoolismo do super ser como característica inerente do seu humor, do que como exatamente um problema.  – por Yuri Correa

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Coração Louco (Crazy Heart, 2009)
O coração parece já não bater como antes. O filme de estreia do diretor norte-americano Scott Cooper aborda o declínio da carreira do astro da música country Otis “Bad” Blake. Aos 57 anos, o personagem interpretado por Jeff Bridges substitui a rotina de sucessos de outrora e passa a conviver com as várias amarguras colhidas durante a conturbada carreira musical – em especial, com a solidão. Para livrar-se dela e de outras angústias, Blake recorre ao álcool, em um processo que o leva a personificar o tom melancólico do ritmo que tanto costuma entoar. A trajetória descendente do protagonista tem seu revés ao conhecer a jovem jornalista Jean Craddock (Maggie Gyllenhaal), cujo interesse genuíno pela obra do cantor permite a Blake se abrir para as pessoas e recuperar o interesse pela vida. Adaptado do livro homônimo de Thomas Cobb, o longa-metragem é um caso raro de musical dramático autoral, dotado de beleza e sensibilidade. Vencedor do Oscar e do Globo de Ouro nas categorias Melhor Ator e Melhor Canção Original. – por Willian Silveira

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O Voo (Flight, 2012)
Robert Zemeckis há tempos não dirigia um filme em live action, depois de ter experimentado a tecnologia de motion capture em produções irregulares como O Expresso Polar (2004), A Lenda de Beowulf (2007) e Os Fantasmas de Scrooge (2009). Que bom que seu retorno se deu com esta produção séria e muito bem conduzida, que tem no alcoolismo e nas suas consequências a principal temática. No filme, Denzel Washington (corretamente indicado ao Oscar de Melhor Ator) vive um piloto de avião que salva sua tripulação e os passageiros da aeronave que pilotava em uma manobra de perícia ímpar. Saudado como herói pela imprensa e por todos à sua volta, esse homem tem um segredo que será investigado: durante a viagem – e em outras –  estava trabalhando sob o efeito de álcool e de outras drogas mais pesadas. Aconselhado por seu advogado de defesa, o piloto terá de se controlar durante o julgamento e os dias que o antecedem. Mas como fazer isso quando o vício é tão forte que o tira completamente do prumo? Zemeckis é um cineasta competente e conduz muito bem o roteiro escrito por John Gatins (indicado ao Oscar pelo trabalho), colocando a questão do alcoolismo de forma contundente e responsável. – por Rodrigo de Oliveira

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