Num dia, a priori, nublado no Rio de Janeiro (exceção, mesmo no inverno), subimos ao Alto da Boa Vista – bairro onde fica o Cristo Redentor –, para atender a um convite especial feito pela produtora Panorâmica. O cenário era a suntuosa Mansão das Heras, onde estava alojada uma numerosa equipe que estava tratando de realizar a adaptação às telonas de Cinderela Pop, verdadeiro fenômeno editorial escrito por Paula Pimenta. Fomos ciceroneados pela assessoria e por Rodrigo Montenegro, diretor executivo da empresa que tem um projeto bastante claro para se tornar referência no que tange à produção de conteúdo voltado ao público infantojuvenil. Historicamente negligenciada pela nossa cinematografia, essa fatia de mercado é exatamente o foco da Panorâmica, segundo nos contou, então, o empresário, que comprou os direitos de todos os livros de Paula, inclusive os ainda não escritos. A ambiciosa estratégia diz respeito ao lançamento semestral de um longa-metragem, além da viabilização de séries de televisão.

“Desde que produzimos Gaby Estrella, tanto a série quanto o longa-metragem, vimos a oportunidade de entrar forte nesse segmento infantojuvenil, muito carente aqui no Brasil. Para isso, procuramos a Paula Pimenta e compramos o direito de todas as obras dela, inclusive as não escritas. A Panorâmica quer, mesmo, ser uma produtora referência nesse sentido. Por exemplo, alguns livros da Paula que são serializados, serão trabalhados como séries de TV. O cinema infantojuvenil sempre sofreu um pouco de preconceito por aqui, como se fosse algo menor, tanto que não vemos um filme desses em festivais. Seguimos o raciocínio de que o público jovem consome mais audiovisual que o adulto. Além disse, a garotada cresceu melhor educada audiovisualmente. Eles são até mais exigentes.”, disse Rodrigo Montenegro.

Fernanda Paes Leme e Maisa Silva

Cinderela Pop é uma releitura da clássica história da gata borralheira para os dias de hoje, com direito a uma protagonista descolada, um príncipe cantor – aqui não meramente ilustrativo, garantem os responsáveis – e uma madrasta malvada, interpretada por Fernanda Paes Leme. Maísa Silva vive Cíntia, essa princesa geração Z, alinhada com as demandas atuais, filha de pais separados e que adora animar as festas da galera como DJ. Aliás, Rodrigo nos disse que a sucessão de eventos festivos do enredo impôs a necessidade de uma produção grande, com cenários detalhados, vários figurantes, tudo para fazer jus à prosa de Paula Pimenta. Fredy Prince, o garoto por quem Cíntia se apaixona, mesmo relutantemente, adiante, é encarnado por Filipe Bragança, jovem talento que vem despontando gradativamente. Depois de ter participado da novela Chiquititas, foi o protagonista de Eu Fico Loko (2017), e já tem uma carreira significativa também no teatro. Aliás, Bruno Garotti, diretor responsável pela cinebiografia do YouTuber Christian Figueiredo, é o encarregado de levar essa Cinderela repaginada às telonas.

 

ESCOLHA DO ELENCO
“Vimos na Maísa um pouco da personagem. Ela é uma princesa pop, que está em plena adolescência. Foi realmente a nossa primeira escolha. A Maísa já tinha lido o livro, gostava muito da Paula, então foi basicamente promover um encontro.“, disse Rodrigo. “O pessoal da produtora me ligou para perguntar o que eu achava da Maísa como protagonista. Na hora, disse que a meu ver a escolha era super apropriada. Nos conhecemos na Bienal do Livro, no Rio, em 2017”, acrescentou Paula Pimenta.

Visivelmente empolgados, mesmo fatigados pela rotina cansativa dos já quase 40 dias de trabalho, Maísa e Filipe esbanjaram simpatia ao conversar conosco sobre suas escalações, demonstrando, inclusive, ciência da responsabilidade.“Sobre a minha participação, foi algo engraçado, pois me convidei (risos). Rindo de nervosa. Quando estávamos fazendo o Tudo por um Popstar (ainda inédito), o pessoal da Panorâmica contou que tinha comprado os direitos do Cinderela Pop. Eu disse que amava a história. Me perguntaram se eu queria fazer a protagonista. Nem sabia se a Paula me conhecia, tampouco se ela gostava de mim (risos). Mas, ainda bem que ela topou”, disse Maísa. “Fiz um teste, mas não sabia se poderia participar, pois estou em cartaz com uma peça em São Paulo. Não sabia, por exemplo, se a produção iria comportar minha volta para São Paulo nos fins de semana. Graças a Deus deu tudo certo. Estava louco para trabalhar com essa galera de novo. E está sendo muito divertido.”, complementou Filipe.

Leticia Pedro, Filipe Bragança e Kiria Malheiros – Foto Rodrigo Montenegro

 

PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO
Durante o almoço que antecedeu a coletiva de imprensa, Rodrigo, Paula e Bruno, que fizeram questão de comer junto com os jornalistas presentes, falaram rapidamente sobre as peculiaridades de trabalhar com base em algo que possui uma imensa base de fãs. Levando em consideração que os livros de Paula Pimenta dialogam diretamente com o público infantojuvenil, traduzindo alguns de seus anseios e dúvidas mais recorrentes, é de se esperar que essa galera se preocupe previamente com a adaptação. E as redes sociais estabeleceram uma ponte ideal de interação.

“Existe toda uma relação do adolescente com o produto, no quesito coerência, sobre quais atores vão interpretar, e por aí vai. O publico teen interage nas redes sociais, opina. Neste filme, mesmo, fizemos diversos ajustes no roteiro, na cenografia, a partir de comentários no Instagram da Paula Pimenta. Ela ia postando as fotos do set e as pessoas comentavam quando achavam que determinado elemento não fazia exatamente jus ao livro. Isso é uma coisa que o público infantojuvenil proporciona, ele dá uma resposta muito rápida e verdadeira, às vezes mais emocional que racional, mas para a gente funciona muito bem”, afirmou Rodrigo.

Maísa Silva e a autora Paula Pimenta

Paula comentou esses feedbacks que ela tem ao compartilhar algo sobre as filmagens em suas redes sociais. “Foi muito engraçado no começo, por exemplo, pois nem eu lembrava que em certa cena o Fredy estava de All Star. Fiz uns vídeos do set, mostrando figurinos e, na mesma hora, várias leitoras perguntaram onde estava o tênis (risos)”. Já o diretor Bruno Garotti entende toda essa pressão como um privilégio: “Sinto a responsabilidade. A gente sabe que há uma expectativa grande, tanto dos fãs, quanto da Paula, enfim, de cada pessoas que se relaciona com o original. Inclusive as minhas próprias. Mas entendo tudo isso mais como um privilégio. Me sinto grato pela oportunidade. E, curioso, frequentemente as cenas de que mais gosto, são as mais difíceis de fazer. A gente complica a própria vida (risos)”, completou o diretor.

 

AUTORA NO SET
Quando o assunto é adaptação, já conseguimos antecipar coisas como “o livro é melhor”, “isso ou aquilo não estão tão fieis”, entre vários chavões que permeiam a transposição da literatura para o cinema. Portanto, durante a coletiva intimista no terraço da mansão, questionamos os envolvidos acerca da participação de Paula nesse processo de verter, pela primeira vez, sua obra às telonas. “Sofri mais na fase do roteiro, nessa transposição para o cinema. Mas, no fim das contas fiquei bem satisfeita. É emocionante ver as cenas ganhando vida, especialmente as que estão mais fieis. É muito gostoso”. Rodrigo, por sua vez, fez questão de ressaltar a parceria com a escritora: “A Paula é uma autora muito cuidadosa com os livros dela e os leitores. Ela participou de todos os processos, como da escolha de elenco, figurino e cenários. Ela tem sido muito presente. Sobre as mudanças, elas foram feitas para deixar tudo com uma cara mais cinematográfica. Inclusive, sobre elas, no início a Paula se mostrou um pouco resistente. Normal, até por ser a primeira adaptação de um livro dela”.

 

RELAÇÃO DO ELENCO COM O LIVRO
Enquanto a equipe preparava uma cena a ser filmada na parte da tarde, permanecíamos na sacada da mansão conversando com o elenco. Fernanda Paes Leme, a mais veterana dos intérpretes presentes, demonstrava felicidade por finalmente voltar ao cinema, após um período dedicando-se quase exclusivamente à sua carreira de apresentadora. Voltar, segundo ela, foi um presente. Fernanda afirmou, inclusive, que pediu a Bruno para “pegar leve” no começo, já que ela estava se readaptando ao set. Ficou evidente, contudo, o entrosamento do time formado com Maísa e Filipe. “Não li o livro, na verdade. Li o roteiro, gostei muito e foi uma grande surpresa conhecer a Paula. Sou bem mais velha, portanto a dela não é uma literatura que eu consuma. Me surpreendi com sua força, com o quanto os fãs são fieis. Isso trouxe para a gente uma enorme responsabilidade. Já estava nervosa, até porque fazia tempo que não atuava. A madrasta da Cinderela é um ícone. E aqui ela foi repaginada brilhantemente pela Paula para os dias atuais, tornada real e crível. Estou me divertindo muito. Vilã é uma delícia”.

Filipe Bragança – Foto Rodrigo Montenegro

Já Maísa, intérprete de Cíntia, declarou-se fã de Paula, especialmente de Cinderela Pop “Comprei o livro exatamente porque tinha vontade de ler. Sempre gostei muito de ler e já conhecia o trabalho da Paula. A maioria das minhas amigas leu os livros dela. Comprei o Cinderela Pop, e devorei depois do almoço, numa tacada só. Não fui ao banheiro, não peguei o celular (risos), fiquei, tipo, lendo sem parar, pois é levinho, rápido e gostoso. Fiquei encantada. Amei a história, a forma como a Paula repaginou a princesa, transformando numa pessoa bem mais real”, afirmou Maísa, ressaltando que para ela é importante a personagem ter ideias e projetos próprios, não dependendo de um relacionamento para ser feliz. Com veemência e bom humor, mencionou a necessidade de contar histórias que ampliem o poder feminino, dizendo-se “empoderadíssima”.

 

SEMELHANÇAS COM OS PERSONAGENS
Uma coisa que os jornalistas adoram perguntar – e nós, presentes, não fomos exceção – é acerca das possíveis semelhanças entre os intérpretes e seus papeis. “Tenho muita coisa parecida com o Fredy Prince, na verdade. Ele é romântico e eu também gosto de me apaixonar. Acredito bastante em amor. Fazendo a cena dele encontrando o ‘sapatinho’, percebi que ele gosta do fato dela ter esquecido, porque assim fica mais difícil. Ele vai ter de correr atrás, brigar por esse sentimento. Fora o fato dele ser um músico, traço, aliás, que acho que o deixa bem mais interessante. Nas histórias das princesas, os príncipes não tem tanto destaque. O Fredy Prince tem outra pegada.”, disse Filipe.

Já Maísa, que está se preparando para a mudança significativa de morar em outro país a fim de realizar intercâmbio, falou com entusiasmo de sua personagem: “Várias meninas vão se identificar com a Cíntia. Ela tem um objetivo na vida, é focada. Cíntia se fechou para o amor, mas tem outros sonhos. Sua paixão é por diversas coisas. Tanto que quando se encanta pelo Fredy, tenta de todas as maneiras negar isso, sabendo que não necessita de alguém para ser feliz. Acho isso muito legal, dela ter esse amor próprio, essa confiança. A minha geração é muito legal, é uma galera que está questionando, se impondo, mostrando opinião. Somos empoderadíssimas, temos o girl power. Acredito que a Cíntia seja uma personagem para as meninas tomarem como exemplo”.

O diretor Bruno Garotti e Maisa Silva – Foto Rodrigo Montenegro

Por conta da ordem do dia, os atores precisaram voltar aos trabalhos enquanto continuamos passeando por alguns cenários que serão aproveitados em Cinderela Pop. O sol já tinha voltado a raiar no Rio de Janeiro, deixando o local ainda mais bonito, quando observamos de longe os demais ensaios, o trabalho de Bruno com o elenco de apoio e o deslocamento da equipe para otimizar mais um dia de trabalho. Cinderela Pop estreia nos cinemas em 2019.

 

(Agradecimentos especiais à Panorâmica Comunicação e à TMZ Entretenimento, que nos convidaram ao set de Cinderela Pop)       

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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