Temporada de premiações em Hollywood é pontuada por protestos contra o governo

Não estou ansiosa para ver faltarem braços para a equipe de La La Land: Cantando Estações (2016) carregar seus troféus – tampouco estou doida para ler o interminável debate entre lovers e haters do filme. Não quero saber das bem-vestidas ou dos trajes que mais combinariam com um desfile da Sapucaí – pois sempre tem modelito exótico. Não me interessa se Leonardo DiCaprio vai levar a mãe ou a namorada, ou se Viggo muso Mortensen vai avec ou alone na festa. Não quero saber do glamour.

O que realmente importa na cerimônia de entrega do Oscar este ano são os protestos. Pois podem faltar o tapete vermelho ou as mini estatuetas de chocolate preparadas pelo chef Wolfganf Puck… mas não tem Oscar sem protesto. E este ano promete!

Meryl Streep discursa no Globo de Ouro 2017

O teaser foi dado por Meryl Streep e as ofuscantes pedrarias do seu chique traje na entrega do Globo de Ouro. Num discurso firme, sem mencionar o nome do destinatário uma vez sequer, ela avisou que medidas totalitaristas não passarão e fez um apelo em prol da liberdade criativa e de imprensa.

A pedra que o novo presidente norte-americano colocou nos stilettos de Hollywood são várias. Uma delas é a ordem executiva proibindo cidadãos de sete países de entrar nos EUA. Medida que já dói no bolso dos estúdios: em plena pilot season, temporada de gravação de pilotos de séries, produções enfrentam incertezas ao contratar elenco e equipe estrangeiros.

Ashton Kutcher discursa no Screen Actors Guild Award 2017

E não é apenas uma questão de grana. A indústria do cinema em geral é simpática a causas humanitárias, plurais e progressistas. No SAG Awards, premiação do Sindicato dos Atores, Ashton Kutcher abriu a festa mandando um abraço para viajantes detidos nos setores de imigração dos aeroportos por causa do decreto presidencial: “Vocês são parte da nossa essência, os amamos e os acolhemos”.

A cerimônia do Producer Guild Awards, o Sindicato dos Produtores, também foi pontuada por protestos contra Trump. O músico John Legend, do elenco de La La Land, foi direto: “Eu rejeito sua visão e afirmo que a América tem que ser melhor que isso”.

John Legend discursa no Producers Guild Award 2017

Um dos países afetados por essa ordem executiva é o Irã, terra do cineasta Asghar Farhadi. Ele já tem um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por A Separação (2011) e concorre este ano na mesma categoria com O Apartamento (2016). Avisou que não vai na cerimônia, assim como a protagonista Taraneh Alidoosti, que usou o Twitter para condenar uma medida “racista”.

Eu iria. Usaria um traje lindamente típico e aproveitaria o holofote para dar meu recado. É o que as estrelas do cinema tem feito há anos. Símbolos discretos como laços de fitas ou flores simbolizando uma causa com frequência se misturam a diamantes e lenços de seda no figurino delas.

Tweet da atriz Taraneh Alidootsi

Algumas causas são globais, outras mais pontuais. Nos anos 1990, lacinhos de fita vermelha chamaram atenção para a prevenção da AIDS. Em 2014, laços pretos celebraram a assistente de câmera Sarah Jones. Morta num acidente durante uma filmagem, ela não foi incluída na montagem de homenagens póstumas do Oscar, que é reservada a estrelas do primeiro escalão.

No ano passado, a atriz Eva Longoria sugeriu que fitas marrons fossem usadas para representar os latinos, tão desmerecidos nas premiações. O ato pegava carona no protesto contra a falta de negros entre os indicados pela Academia de Cinema, cuja maioria dos votantes é branca e masculina. A campanha mobilizou as redes com a hashtag #OscarSoWhite.

Hattie MacDaniel, primeira atriz negra a ganhar um Oscar

O mea-culpa e a mobilização surtiram efeito: este ano quatro atrizes e três atores de cor estão indicados. É uma batalha antiga… Uma autorização especial foi necessária para que a primeira atriz negra a receber um Oscar pudesse participar da festa realizada em um hotel segregado. E ela sentou a uma mesa segregada, no fundo do salão. Era Hattie McDaniel, premiada em 1940 pelo papel da espevitada Mammy em …E O Vento Levou (1939).

Em 2015, outro debate necessário foi incentivado via Internet. A hashtag #AskHerMore combateu o machismo e sugeriu que repórteres no tapete vermelho perguntem mais para as atrizes além de “quem você está vestindo hoje?”, referência aos designers que disputam a tapa as valiosas modelos.

Nas próximas semanas, pode cuidar, teremos o anúncio de muitas iniciativas como essas. Um exemplo? A United Talent Agency, que entre tantos grandes de Hollywood agencia o iraniano Farhadi, decidiu cancelar sua tradicional festa pós-Oscar e doar 250 mil dólares para organizações que protegem direitos civis nos EUA.

Depois do tapete vermelho e das redes, há o palco do Teatro Dolby, que é um palanque único! Pense na audiência que acompanha a festa ao vivo. Pense na repercussão nas redes sociais. Nas manchetes do dia seguinte.

Leonardo DiCaprio discursa ao ganhar o Oscar de Melhor Ator em 2016

Leonardo DiCaprio pensou nisso tudo ao agradecer pelo Oscar de Melhor Ator conquistado com O Regresso (2015) para falar da causa da qual é militante. “Tivemos que mudar a produção para o extremo sul do planeta a fim de encontrar neve. A mudança climática é real, está acontecendo agora. É a ameaça mais urgente para nossa espécie; precisamos agir coletivamente e parar de procrastinar.”

Mais de uma década antes de DiCaprio, o documentarista Michael Moore usou o mesmo espaço para ecoar o que vinha acontecendo nas ruas de todos os Estados Unidos: os protestos contra as guerras no Iraque e no Afeganistão. Ao receber seu Oscar por Tiros em Columbine (2002), criticou o presidente da época gritando “Shame on you, Mister Bush” (Que vergonha, senhor Bush!) enquanto a orquestra tocava elegantemente avisando que seu tempo de discurso havia acabado.

Michael Moore discursa ao ganhar o Oscar em 2003

Aquele Oscar de 2003 foi boicotado por algumas estrelas, marcado por protestos (muitos convidados usaram um pin representando a pomba da paz) e por um fortíssimo esquema de segurança no tapete vermelho. Eu acompanhei ali perto, cobrindo uma manifestação numa avenida paralela à Hollywood Boulevard. Manifestantes fantasiados como personagens de filmes carregavam cartazes, bandeiras, e faziam muito barulho.

(Do caderninho da repórter: manifestação nos EUA tem que ter local definido e hora marcada para começar e terminar, só que nesse dia um grupo insistiu em permanecer na rua mesmo depois do horário combinado. “Bem, vamos ver até onde vai isso”, pensei. E fiquei. A polícia nos conduziu pelo bairro de maneira muito sutil, até que fomos encurralados num beco. Ficamos um bom tempo de castigo, sendo liberados aos pares).

Protestos nos Estados Unidos

Enquanto isso, lá estava Michael Moore bradando com seu Oscar: “Vivemos em tempos fictícios, após uma eleição fictícia, com um presidente fictício. Vivemos numa época em que um homem nos manda para a guerra por razões fictícias. Somos contra essa guerra, Senhor Bush!”.

Obviamente, Moore continua ativíssimo em sua oposição, discursando no Twitter e nas ruas de Nova York contra o novo ocupante da Casa Branca.

Tempos fictícios, tempos de “fatos alternativos”…

Mark Ruffalo em passeata de protesto

A propósito, vale a pena seguir nas redes o ativismo de atores como Mark Ruffalo. Engajado, ele tem apoiado a tribo Sioux de Standing Rock, na Dakota do Norte, que seria afetada pela construção de um gasoduto. Um projeto que, depois de muitos protestos, Obama vetou… e que agora Trump quer retomar. Hulk não esta gostando nada disso.

O que o atual hóspede da Casa Branca esqueceu é que comprar uma briga com Hollywood é mais do que peitar os caras que têm poderes sobre-humanos nas telas. É comprar briga com gente que tem o eficientíssimo star power. E isso não é pouca coisa.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é jornalista. Morou durante mais de uma década em Los Angeles, onde foi correspondente para TV e revistas especializadas em cinema. Atualmente faz Mestrado em Relações Internacionais, em Porto Alegre. Escreveu roteiros para documentário e curtas, um deles premiado com o Candango do Festival de Brasília.
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