Se num passado não tão remoto cineastas eram vistos apenas como mais uma engrenagem dentro do processo produtivo dos filmes, hoje, grande parte graças à valorização da profissão encampada nos anos 1950 pelos jovens críticos da revista francesa Cahiers du Cinéma, são considerados verdadeiros artistas. São muitos os que inscreveram seus nomes na história, em virtude de maneiras particulares de fazer cinema, alcançando postos antes só permitidos a quem utilizava como meios de expressão a literatura, a pintura, a música, o teatro, etc. Então, o que dizer daquele cuja fama advém do lado oposto, ou seja, por ser considerado o pior diretor de cinema de todos os tempos? Cineastas sem talento existem aos montes, mas porque Ed Wood (nascido Edward Travis Wood Jr, em 10 de outubro de 1924) tornou-se perpétuo justo por ser ruim?
Talvez boa parte disso se explique pelo diletantismo de Wood. Seu envolvimento com o cinema, a maneira como levava precários projetos adiante, eram, antes de tudo, oriundos do amor quase inocente que ele nutria pela sétima arte. Após servir na Segunda Guerra Mundial durante dois anos, com destacada atividade militar, instalou-se em Los Angeles no final da década de 40 e abriu uma produtora com seu nome, sediada no apartamento onde morava. Seus primeiros trabalhos foram comerciais para televisão. Ed Wood era um otimista, via as coisas por um prisma esperançoso, mesmo quando o trabalho rareava e ficava difícil até mesmo pagar as contas. Amigos e colegas da época não são unânimes quando perguntados sobre sua personalidade. Uns recordam dele com carinho, já outros condenam seus métodos e comportamento. Contudo, consensual é a lembrança de que Wood era um profissional empenhado e apaixonado pelo que fazia.
Seu primeiro filme, o curta-metragem Crossroads of Larado (1948), típico western para a televisão, produzido por Crawford Thomas, teve gravações aceleradas e sem qualquer cobertura (as famigeradas e muitas vezes necessárias tomadas de outros pontos de vista), contou com cenários limitados e erros crassos de continuidade. O caráter rudimentar que então poderia ser atribuído à falta de experiência do novato, se repetiria ao longo da carreira dele, como traços estilísticos que afundaram possibilidades de sucesso na época, mas que contribuíram anos depois para que Wood alcançasse certo culto. Alheio ao próprio fracasso inicial, o diretor partiu para a gravação de Glen ou Glenda (1953), exploitation em tom documental no qual interpretava um crossdresser. O próprio Wood, na vida real, vestia-se de mulher com frequência. Dizia que isso lhe acalmava o espírito.
Se invariavelmente aprendemos um pouco de cinema com os melhores, os filmes de Ed Wood também são algo didáticos, pois contém, provavelmente, todos os erros possíveis da construção fílmica, sendo assim exemplos de como não fazer cinema, pelo menos no que diz respeito à sua gramática, à forma. Nesse tocante, Plano 9 do Espaço Sideral (1959), seu filme mais famoso, tem uma trama divertidamente insólita – feita de marcianos que invadem e Terra e se aliam com vampiros para derrotar a raça humana – mas que nem assim dá conta de diminuir os efeitos da precariedade, seja da filmagem, da montagem, da encenação, enfim, de tudo. Nesse longa, Wood dirige novamente Bela Lugosi, o clássico Conde Drácula do filme de Tod Browning lançado em 1931. Lugosi era então um astro decadente, vítima do alcoolismo e do ostracismo. Hoje em dia, Plano 9 do Espaço Sideral é considerado um clássico trash de terror.
Em 1994, Tim Burton resgatou Ed Wood, apresentando-o às novas gerações com uma cinebiografia na qual o “mito” é interpretado por Johnny Depp. O filme procura mostrar justamente a paixão desmedida de Wood, sua convicção de que poderia fazer grandes filmes, pintando-o como um apaixonado sem muito talento, que fez do ofício sua vida. Uma das grandes realizações de Tim Burton, Ed Wood, além de relembrar uma figura suis generis do cinema norte-americano, explicita certo romantismo da produção cinematográfica, em contraste com a visão pesadamente autocrítica e cínica que Hollywood volta e meia tem de si própria.
Ed Wood teve um final melancólico. O álcool tornou-se o principal refúgio da tristeza por nunca ter alcançado fama mundial. Na década de 60, dirigiu alguns filmes soft pornô, além de escrever livros cujo mote principal era também erótico. Pouco antes da morte prematura, em 10 de dezembro de 1978, portanto aos 54 anos, Ed Wood havia sido despejado do apartamento onde morava junto com sua esposa Kathy, por falta de pagamento. Se antes Ed Wood era motivo de chacota, hoje ele é uma espécie de herói para uma geração inteira que vê além do que as imagens toscas de seus filmes mostram.
Filme imprescindível: Plano 9 do Espaço Sideral (1959), obra que condensa o estilo Ed Wood de fazer cinema.
Filme esquecível: Noite das Assombrações (1959)
Maior sucesso de bilheteria: Plano 9 do Espaço Sideral (1959)
Maior fracasso de bilheteria: Take It Out In Trade (1970)
Primeiro filme (longa-metragem): Glen ou Glenda (1953), que causou certo barulho por abordar o universo então novo dos crossdressers em plenos anos 1950.
Último filme: Necromania: A Tale of Weird Love!, assinado com o pseudônimo Don Miller.
Guilty pleasure: A Noiva do Monstro (1955)
Oscar: Não chegou nem perto, ao menos, de ser indicado para um.
Frase inesquecível: “É sempre considerado louco aquele que aperfeiçoa algo que os outros não podem entender”.
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