Diferentemente de outras mostras do 15º Curta Taquary, a Universitária não é tão definida pelos elos temáticos entre os filmes selecionados. Espaço dedicado a obras realizadas por estudantes de graduação, o recorte traz também uma heterogeneidade maior quanto à linguagem. Nele, há animações como O Templo do Rei, de Verônica Cabral, fábula sobre um reino que existe literalmente sobre um felino enorme e um feiticeiro amigo da morte. Se trata de uma produção criativa, que se vale de processos simples de animação, mas que sobressai pelo visual que reforça o caráter lúdico de uma história que não é apenas para consumo infantil. Parece que nela tudo descambará para o “felizes para sempre”, mas a grande sacada de Verônica é justamente a quebra dessa expectativa. É algo bastante diferente do que vemos em Praia dos Tempos, de Luan Santos, no qual o vai-e-vem das ondas do mar dá o tom do encontro inusitado entre três temporalidades. Uma mulher, uma jovem e uma criança representam três etapas de uma pessoa. Elas se atravessam de modo carinhoso, trocam experiências simples, como o cuidado com o cabelo (que denota ancestralidade e enraizamento), numa trama modesta, mas que transborda de afetuosidade. Já Meu Coração é um Pouco mais Vazio na Cheia, de Sabrina Trentim, se passa durante uma festa às margens do Rio Araguaia. O sereno monólogo interno contrasta com a movimentação intensa dos corpos que se agitam ao som da música eletrônica.
AS ESTRUTURA DAS CIDADES
Se contradizermos ligeiramente o que foi dito no primeiro parágrafo deste artigo, podemos pinçar dois temas ligeiramente recorrentes nos curtas-metragens selecionados à mostra Universitária. Um deles é a relação das pessoas com as suas cidades, incluindo aí as impossibilidades e as barreiras impostas pelo crescimento urbano que não prevê certas funcionalidades essenciais ao bem comum. Por exemplo, em Crescer Onde Nasce o Sol, de Xulia Doxágui, acompanhamos as dificuldades de crianças moradoras de uma região que não possui alternativas de recreação. Como os meninos e as meninas fazem para vivenciar a infância se nos becos estreitos e nas ruelas não existem possibilidades para o seu livre brincar? A câmera que acompanha as tentativas dos pequenos enfatiza o esforço diários que eles fazem para se divertir. Já no enfático Tempo de Derruba, de Gabriela Daldegan, há a denúncia da agressividade do Estado com as famílias assentadas na ocupação CBBB, localizada a cerca de um quilômetro da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Moradores, ativistas e voluntários dão depoimentos que formam um painel da falta de saída às famílias sem-teto que têm destruídas as casas provisórias que lhes garantiam alguma dignidade. O encerramento com as crianças falando sobre o que esperam do futuro acentua a melancolia da situação desses desvalidos: a lei não tem o mesmo peso para todos, tampouco os direitos básicos são assegurados aos mais pobres.
Em Estas Lápides Onde Habitamos, de Ana Machado e Vitor Artese, vemos a correria de um entregador de aplicativo para balancear (de bicicleta por uma metrópole) a atividade que lhe garante o sustento e as inúmeras questões pessoais. A vida cotidiana é um fluxo incessante de pequenas paradas e mensagens de áudio que aumentam a pressão. Além de ter como protagonista um sujeito que subsiste dentro da chamada “uberização” do trabalho, há também uma sinalização da situação imobiliária da capital por meio das burocracias do cemitério em que o pai do entregador está sepultado. Nem mesmo depois de morto o falecido tem garantias de continuar repousando – já que há uma ameaça de remoção de restos mortais se determinados protocolos não forem cumpridos. Em Quando eu Soltar a Minha Voz, de Guilherme Telles, o centro da cidade do Rio de Janeiro testemunha a labuta constante de dois artistas negros que se apresentam nas ruas ruidosas. O trabalho de som do curta-metragem é muito importante para sinalizar uma cacofonia que ameaça abafar o que verdadeiramente importa. O calado violonista toca diante do Theatro Municipal; a estátua-viva se mantém praticamente impávida, mas faz questão de expressar encantamento pelo colega. No fim das contas, o dueto representa não apenas a paixão, mas a possibilidade poética de reverberar.
PERTENCER: VERBO TRANSITIVO INDIRETO
O pertencimento é o segundo dos temas que podemos reconhecer em algumas das produções selecionadas para a mostra Universitária do 15º Curta Taquary. Em El Hábito de Habitar, de Nicolás Pérez, há uma reflexão em tons melancólicos sobre a importância da moradia, mas principalmente do que ela representa simbolicamente em termos de enraizamento. Um casal de bolivianos que mora no Brasil navega pelas memórias dos espaços do passado (impressas em fotografias) enquanto tenta criar vínculos com os novos ambientes do Brasil que (não se sabe de que maneira, se bem ou mal) os acolheu. Paira no ar um clima de tristeza, até mesmo de resignação diante da impossibilidade de seguir morando no país de origem. Já e Para as Gerações que Vieram Antes de Mim, de Filipe Bretas Lucas, segue uma tendência do cinema brasileiro documental das últimas décadas ao mostrar alguém construindo um mosaico de recordações para compreender seu esteio familiar. Por meio de fotografias, registros de encontros e de relatos indiretos, Filipe cria um retrato bonito dessa reverência aos que vieram antes dele, prestando assim um tributo à própria infância, ao avô que precisou cortar um dobrado para cuidar dos filhos ao ficar viúvo, aos pais que sofreram para dar uma vida digna aos seus. Por fim, Cidade sempre Nova, de Jefferson Cabral, traz várias situações e depoimentos para caracterizar o aspecto caótico da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. E o resultado tem um quê de aproximação e distanciamento da localidade que define os personagens que a habitam.
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