Como não poderia ser diferente, o quinto dia do 39° Festival de Cinema de Gramado foi marcado pela homenagem mais esperada desse ano: a entrega do Troféu Oscarito para Fernanda Montenegro, a maior estrela do cinema nacional. E se esse reconhecimento vem remediar uma falha de anos – ela mesma afirmou, no palco, que “esse era o prêmio que faltava” – por outro lado pode soar um pouco estranho. Afinal, o Oscarito deve celebrar os grandes nomes do cinema brasileiro ou os talentos que marcaram época nestes quase quarenta anos de Festival de Gramado? Se o foco é o primeiro, então a escolha por Fernanda é justíssima. Agora, se formos pelo outro viés, soa um pouco estranho constatar que a estrela não possui um único kikito – nem mesmo teve sequer um filme seu, em todos esses anos, concorrendo em Gramado! Essa é, muito provavelmente, a primeira vez de Montenegro no evento da Serra Gaúcha. Mas como criticar a nossa atriz maior, premiada em Berlim, em Brasília, em Guadalajara, em Los Angeles, em Havana, indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro, além de ser dona de mais de 20 prêmios internacionais? Se sua estreia em Gramado demorou tanto, ao menos antes tarde do que nunca!
E falando em qualidade em alta, outra boa surpresa, mais uma vez, foi o longa latino em competição oficial. A Lição de Pintura, representante do Chile, é baseado num romance de muito sucesso no seu país de origem, de autoria de Adolfo Couve. Nas vésperas do golpe militar que tomou o poder no início dos anos 70, numa cidadezinha do interior um talento singular se revela. Um menino, filho de mãe solteira e apadrinhado pelo farmacêutico local, demonstra uma habilidade única para a pintura. Mas ao mesmo tempo em que esse dom vai se revelando e se aperfeiçoando, o país parte num conflito interno que levaria anos para superar. Mas pior mesmo será quando os dois se cruzarão – nação e garoto – causando uma tragédia sem solução, igual a tantas outras, mas ainda assim absurdamente dolorosa. O diretor, Pablo Perelman, estava há anos afastado do cinema, dedicando-se mais à publicidade e à televisão, mas demonstra aqui ter conservado a boa forma.
A terça-feira reservou, durante a tarde, outro momento bastante interessante: um encontro da crítica com o público promovido pela ACCIRS – Associação dos Críticos do Rio Grande do Sul. Com mediação do crítico e jornalista Marcos Santuário, o bate papo foi com o profissional da área mais conhecido e popular de todo o Brasil: Rubens Ewald Filho. Escolhido para coordenar o júri da crítica nesta edição do Festival de Gramado à convite da ACCIRS, Rubens falou também sobre sua experiência profissional, sobre as maiores conquistas e principais roubadas em que já se meteu – imagine um programa de televisão apresentado por ele ao lado de José Wilker? Pois é, isso quase aconteceu… – e sobre como o ofício da crítica está diferente hoje em dia de como era quando ele começou. A boa presença de participantes motivou conversa, que teve um clima descontraído e informal, bem de acordo com o imaginado. Um outro encontro similar está programado para esta quarta, com Roger Lerina conversando com Ana Maria Bahiana.
Para encerrar, mais uma vez o representante nacional decepcionou. As Hiper Mulheres, de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, pode ser chamado de tudo – audiovisual institucional, tratado antropológico, observação documentada, registro educacional – menos de cinema. Este documentário (ou seria ficção?) parte de um tema curioso – a tradição do Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingú e em vias de extinção – para a realização de algo que soa tão distante e estranho a todos nós que nem chega a gerar frustração, reduzindo-se à indiferença. É uma obra sobre índios, feita por um índio e para ser vista por índios. À nós, homem branco, não é oferecido nenhum elemento de apoio para ajudar na compreensão e identificação com o que está se passando na tela. Não há interferência, narração ou justificativa. Apenas somos levados para o centro da aldeia e lá jogados, sem explicativas ou esclarecimentos. E, sem envolvimento, não há como se interessar pelo que se vê, que termina sendo reduzido, aos olhos civilizados e ignorantes destes costumes, como algo sem sentido e desnecessário, ultrapassado. A se temer apenas o fato de que Gramado tem tradição em premiar documentários com temática indígena – Raoni (1978), Serras da Desordem (2006) e Corumbiara (2009) são apenas alguns dos exemplos. Resta agora a torcida para que esse equívoco não se repita.
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