Uma das atrações internacionais da 8½ Festa do Cinema Italiano 2023 foi a presença em solo brasileiro do cineasta italiano Francesco Zippel, autor de Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América (2022). No último domingo, 25, ele esteve no Rio de Janeiro para acompanhar a exibição do longa-metragem que revela aspectos fundamentais da vida e da obra de um dos maiores cineastas do cinema mundial, uma verdadeira referência a gigantes que aparecem na telona para reverenciá-lo. Foi uma ocasião muito especial que contou com sala lotada, inclusive tendo diversos profissionais renomados de cinema na plateia. Todos em torno da admiração por Sergio Leone, o pai do spaghetti western. Na ocasião, a conversa com o público, posterior à projeção, foi mediada por este que vos escreve. O resultado deste bate-papo você confere com exclusividade aqui no Papo de Cinema.

Qual foi o primeiro filme de Sergio Leone ao qual você assistiu e, mais tarde, o que o levou a fazer um documentário sobre esse grande artista?
Antes de te responder, fiquei muito feliz de apresentar o filme no Rio de Janeiro, especialmente porque ao conversar com os filhos do Sergio Leone fiquei sabendo que ele passou por aqui para rodar um comercial e se apaixonou pela cidade. Sobre o primeiro filme dele ao qual assisti, ainda na minha infância, foi Três Homens em Conflito (1966), uma experiência impactante para um menino que tinha entre nove e dez anos de idade, mas que percebeu nele algo diferente do que já havia visto antes. Já o documentário nasceu de modo quase casual. Eu tinha feito um filme sobre William Friedkin, chamado Friedkin Uncut (2018), e Rafaella Leone, filha de Sergio, assistiu e me chamou para uma conversa, pois queria produzir um documentário sobre seu pai. Fiquei emocionado com a proposta.

E como foi o processo arqueológico de investigar essas imagens de arquivo, atrelando-as posteriormente às entrevistas com personalidades notáveis?
Trabalho quase sempre do mesmo modo, com uma metodologia muito parecida. A primeira coisa é tentar encontrar alguma coisa de interessante nos arquivos. Não existindo a possibilidade de entrevistar o protagonista, fui a Cinecitta, o grande estúdio de Roma, e encontrei entrevistas em áudio que serviram de guia e, além disso, dois veteranos da instituição me disponibilizaram arquivos em Super 8 até então inéditos, especialmente os preciosos de bastidores. Depois, elegi dois grupos de entrevistados: de um lado, os familiares e pessoas que tinham trabalhado com ele e, do outro, personalidades que poderiam contribuir de formas distintas para compreendermos melhor a influência de Sergio Leone.

Você acredita que, historicamente falando, Sergio Leone demorou a ser conduzido à prateleira dos grandes cineastas italianos porque fazia um tipo de filme muito popular?
Estamos falando de um cineasta que teve um tratamento estranho por parte da crítica italiana. Como você bem disse, parece que existia algo de culpável em ser um cineasta popular. Não sei se no Brasil acontece também assim, mas na Itália se você é um sucesso de bilheteria provocará resistência em certas pessoas. É um modus operandi da crítica. E outra questão, agora específica, é que Leone não era um cineasta político, ele não demonstrava nenhum interesse por questões de ordem política, isso numa época em que cerca de 70% dos artistas italianos abordavam isso em seus filmes. A atenção de Leone era exclusivamente ao cinema.

São várias histórias possíveis, diversos ângulos prováveis. Como foi construir esse recorte que vemos no filme? O que te levou a certas direções em detrimento de outras tantas?
A minha ideia era sintetizar o percurso profissional e pessoal de acordo com a cronologia dos eventos. A vida do homem e do artista. Mas, me questionei sobre uma coisa: por que esse cineasta é amado em todo o mundo? Basta ver grandes colegas falando dele para ter a dimensão de como ele continua sendo adorado. Então, também queria entender os motivos que fazem de Sergio Leone um artista tão atual, cuja influência é perceptível em outros meios.

Houve alguém que você queria muito entrevistar, mas que por algum motivo não foi possível?
Duas pessoas eu gostaria muito de ter entrevistado, mas infelizmente não foi possível: Wes AndersonKathryn Bigelow. Apesar de parecer um realizador distante de Leone, Anderson, com quem colaborei, é um tipo de diretor atento às cores, à composição da imagem, ao aspecto pictórico. E Bigelow, para mim, é uma das grandes cineastas de todos os tempos. Acredito que ambos poderiam ter dado uma contribuição muito importante para o filme.

Francesco Zippel. Foto/divulgação

Por fim, como está sendo essa visita ao Brasil na 8½ Festa do Cinema Italiano 2023?
Fiquei pouco tempo no Rio de Janeiro, mas tive a possibilidade de passear um pouco pela cidade e, claro, me cantar com a sua beleza. Trata-se de uma cidade repleta de diversidade, na qual consegui reconhecer elementos similares à Itália. Então, apesar de um oceano de diferença, é claro que nossas nações têm simetrias, uma fraternidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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