Denise Rodrigues Fraga nasceu no dia 15 de outubro de 1965 na cidade do Rio de Janeiro, e antes mesmo dos 20 anos já estudava a arte da interpretação. Após um início conturbado – que ela mesmo explica a seguir – hoje ela já acumula mais de duas décadas de dedicação ao cinema, à televisão e ao teatro. E é por causa desse último que ela tem rodado o país, desde o final do ano passado, com a peça Sem Pensar, em que ela aparece como a mãe de uma jovem adolescente numa família em crise. Os laços familiares estão presentes também nos bastidores, onde se encontra com o marido Luiz Villaça, diretor do espetáculo e de diversos outros trabalhos da atriz. E foi, entre outras coisas, sobre esse novo trabalho e também sobre seu mais recente filme, Hoje, de Tata Amaral, ainda inédito no circuito comercial e pelo qual ela recebeu o prêmio de Melhor Interpretação Feminina no último Festival de Brasília, que conversamos nessa entrevista exclusiva para o Papo de Cinema!
Quando vocês viram Sem Pensar pela primeira vez, na montagem original em Londres, o que mais lhes chamou atenção?
Na verdade foi o cinema que nos levou até essa peça. Eu e o Luiz, meu marido, estávamos na Europa, participando de um festival com O Contador de Histórias (2009), e por isso que acabamos em Londres. Essa peça era um verdadeiro fenômeno por lá, recomendada na Time Out e considerada imperdível pela crítica. Por isso que fomos atrás, e ao sairmos do teatro estávamos encantado. O Luiz há tempos queria se aventurar em uma produção teatral, mas não surgia a oportunidade. E eu sempre disse pra ele que o grande barato do teatro é o Ator, e como ele sempre foi muito bom nisso, em dirigir atores, tinha tudo para dar certo. O que tem de mais legal na peça Sem Pensar é que foi escrita por essa menina, de apenas 17 anos, assim como a personagem principal, e ela fez um gol de dramaturgia. É uma comédia, mas sobre um drama familiar. As pessoas não param de rir na plateia, mas o tema é muito denso. Há muita confusão, é a chave da comédia que é utilizada em cima de um drama. Muito inteligente. O maior valor do texto não é o tema em si, e sim o fato dela fazer com que a gente olhe para os nossos dramas familiares com muito humor. É a maneira como ela escreve, instigando a reflexão. O maior valor esta nessa troca. É muito curioso perceber como as pessoas ficam impressionadas. Essa linha divisória entre humor e drama provoca o debate, está no humor a força para esse refletir. Conseguir divertir alguém ao mesmo tempo em que tu provoca a reflexão, é o meu principal objetivo. O público precisa ser capturado. Sem nivelar por baixo, mas embrulhar e uma forma atraente e divertida.
Sobre o que é Sem Pensar e como é o teu personagem, a Vicky?
Tem eu e o Kiko Marques, que faz o meu marido, mas tem também um grupo de novos talentos muito bacana. A Julia Novaes, que faz minha filha, é incrível. Essa nova geração de atores está muito boa. Foi difícil selecionar as pessoas certas para compor o elenco dentre tanta gente boa que apareceu. A peça não tem necessariamente uma protagonista. A garota parece ser a principal, mas meu personagem é muito bom, adorei fazê-la. Ela chega a ser engraçada de tanto mau-humor. A encenação aqui no Brasil é um pouco diferente, mais detalhista, e isso nos ofereceu uma visão mais completa da família. As luzes ficam todas acesas, acompanhamos todos os cômodos dessa casa. Mas é arte, não é big brother. O texto da menina é muito preciso, não precisou ser adaptado, não houve espaço para cacos. É aquela frase de Tolstoi, “fale de sua aldeia e falará do universo”, e é bem isso que temos em Sem Pensar. A peça é inglesa, mas os artifícios são tão cotidianos, tão universais, que todo mundo pode se identificar. Muitos até disseram que a peça é “um retrato da família brasileira”, mas é na verdade um retrato de todas as famílias. Está todo mundo lá. A cegueira familiar fica desnudada, é para refletir. A peça não é sobre uma adolescente rebelde, sobre um casal com problemas. É sobre a crise cotidiana, sobre o isolamento conjunto da vida moderna. E o cenário completo é um espetáculo à parte, é impressionante, tem cerca de 5 toneladas.
Quando estreou Sem Pensar?
Estreamos em maio em 2011 em São Paulo. Ficamos todo o segundo semestre em cartaz, sempre com casa cheia. Em fevereiro deste ano saímos em turnê pelo Brasil. Começamos pelo nordeste, depois o sudeste. E agora chegamos ao sul. E estamos viajando com a equipe completa, com toda a estrutura, sem adaptações. Nosso cenário já foi montado e desmontado 48 vezes até agora! Mas como ele é um dos atrativos mais importantes, era fundamental que assim fosse. Isso só aconteceu porque o Bradesco patrocina nossa turnê, uma ajuda fundamental. É muito legal ver como a plateia fica tocada com o bom teatro. Isso é o mais bacana!
Este não é o seu primeiro trabalho em parceria com seu marido, Luiz Villaça. Como é trabalhar em casal?
Eu acho que a gente se dá muito bem. A gente aprendeu a trabalhar juntos. Foi preciso, tinha tanta coisa. A gente se conheceu trabalhando juntos, então foi necessário, né? Sempre estivemos muito próximos. Na televisão, no teatro, no cinema… a gente faz filmes e filhos! Nossa parceria é na vida e na arte. Mas não é tudo sempre tão calmo, não! A gente briga muito, cada um tem suas visões. Discutimos muito durante o processo criativo. Mas conseguimos achar uma terceira via, e é preciso ter respeito. Ele abre espaço para mim, eu entendo que o diretor é ele. Claro que volta e meia se leva trabalho pra casa, não dá pra evitar. Estamos escovando os dentes e discutindo uma cena, uma fala. É um trabalho que fazemos com paixão, não tem como desligar.
Vocês já fizeram dois filmes juntos. Como foram essas experiências?
Eu adoro Por Trás do Pano (1999), foi o nosso primeiro longa, é um filho queridíssimo. Ele fala de teatro, de atuação, de criação. Lutamos muito, e juntos, para que ele fosse realizado. O filme ganhou muitos prêmios, a trajetória dele foi muito legal. As lembranças são lindas. Já o Cristina Quer Casar (2003) era mais comercial, tínhamos um compromisso com a distribuidora, focava num público maior. O Marco Ricca e o Fábio Assunção, Fabinho querido!, foram grandes parceiros. Tenho ótimas lembranças dos dois. Mas o Por trás do pano, por diversos motivos e por tudo que nos proporcionou, é o nosso especial.
Como foi que você se envolveu com o clássico nacional Com Licença Eu Vou à Luta (1986), que quase marcou sua estreia profissional?
Que louco você desenterrar isso! Pois então, quase fiz o papel principal, foi por pouco. Bati na trave (risos)! Na época eu estava na escola de teatro e, como muitos dos meus colegas, fui fazer o teste para o elenco. Era muito jovem, tinha 18, 19 anos. Lembro de estar no ônibus, indo pra casa, e pensar: “meu Deus, eu vou ser atriz de cinema!”(risos) Aconteceu que fui fazendo os testes, e fui passando. Até que o Lui Farias, o diretor, me ligou para dizer que, por ser também a estreia dele, estava inseguro em apostar numa atriz também estreante, e que por isso ele iria chamar a Fernanda Torres, que naquela época estava super em alta por ter ganho em Cannes por Eu Sei Que Vou Te Amar (1986). Quando ele me dispensou, chorei muito, fiquei mal. Meu mundo literalmente caiu! Mas depois surgiu a oportunidade de uma ponta, foi bacana, filmei com ele, com a Fernandinha… E depois essa minha única cena acabou sendo cortada da versão final do filme!
O seu próximo filme a ser lançado nos cinemas é o Hoje, da Tata Amaral, pelo qual ganhou o Candango de Melhor Atriz no Festival de Brasília do ano passado. E o teu personagem é um grande desafio, como você se preparou e o que achou do resultado?
Eu estou muito feliz com esse trabalho. O processo foi muito legal. Adorei trabalhar com a Tata Amaral, essa coisa feminina dela, quase sensorial. Nós conversamos muito, trocamos muito. Nós três – com o Cesar (Troncoso, de O Banheiro do Papa, 2007), também – nos entregamos plenamente para achar o tom ideal. O que fizemos para nos preparar foi ver os depoimentos que a Tata havia feito numa série que havia feito para a TV Cultura, com várias pessoas que haviam sido torturadas. Trabalhamos também com a Laís Correa, preparadora de elenco, e foi tudo muito rápido pq o Cesar tinha ainda que filmar na Argentina. E essa coisa de ficarmos sempre num mesmo lugar foi muito determinante. Era um filme de baixo orçamento, feito na raça, e com todo mundo junto. A equipe reduzida, muito integrado. Foi muito legal. O que eu sinto é que o filme saiu do roteiro, foi além do que prometia. Eu nunca havia trabalhado muito os silêncios, o que você diz além do que está dizendo. Muita coisas fomos descobrindo percorrendo aquilo no set, abrindo a guarda, indo devagar. Uma coisa linda que eu adoro nesse filme é que falamos do intimo, da intimidade. A história existe porque está aí, existe de fato. Estamos falando da intimidade dessa mulher, dessa verdade, do amor dela por este homem, e tudo que passaram juntos. São várias coisas que falamos que são difíceis, delicadas.
Denise, você é uma das atrizes brasileiras mais premiadas do atual cinema brasileiro. Já ganhou festivais importantes como Gramado, Cuiabá, Havana, Miami, o Grande Prêmio Brasil de Cinema, duas vezes em Brasília e também o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. Qual a importância, na tua opinião, destes reconhecimentos?
Ah, quem não fica feliz com prêmios? A gente não trabalha para eles, mas é claro que gostamos quando somos reconhecidos. Tem alguns que nos deixam especialmente felizes. Em Havana até hoje tenho uma dor por não ter estado lá para recebê-lo. O Grande Prêmio Brasil de Cinema também é muito bacana, porque é tanta gente votando, gente do meio que nos conhece, que ser escolhida é ótimo. Gostaria de ter feito mais cinema, quem sabe no futuro? Tem o fato de ser casada com um diretor, todo mundo acha que nós temos nossos próprios projetos, e não nos convidam! E tem esse preconceito, de nos colocarem numa caixinha: “a Denise é atriz cômica, só faz comédia” e ficamos estereotipados. Por isso é importante ver o Hoje (2011), o As Melhores Coisas do Mundo (2010), porque são filmes que oferecem uma outra visão do meu trabalho. Agradeço muito a Tata, a Laís Bodanzky, porque elas acreditaram mim.
Você tem feito cada vez mais cinema e teatro, deixando a televisão um pouco de lado. Essa foi uma escolha intencional ou obra do acaso?
Foi acontecendo. Isso tudo começou depois do A Alma Boa de Setsuan, que foi um espetáculo muito importante na minha vida, pois foi com ele que recuperei minha fé no teatro. Era Brecht, mas era também popular, e por isso que nos dedicamos bastante. Foram dois anos e meio da minha vida. A maioria das pessoas do público estavam tendo contato com Brecht pela primeira vez! Era o máximo! Elas riam e diziam que gostavam “do conteúdo”! Mais de 250 mil pessoas viram a turnê! Foi fantástico! É no teatro em que o ator se sente mais completo. É o lugar do erro, da pesquisa, é onde podemos crescer. Cinema tem que ter mais, e televisão é algo necessário. O cinema tem algo de sagrado, como o teatro. Não é tão industrial. A gente mergulha, no astral, no personagem.
Quais dos seus trabalhos no cinema que lhe deram mais prazer?
O Felicidade É… (1995) foi ótimo, filmei aí em Porto Alegre, muito bacana. Com ele ganhei em Brasília, e também não estava presente! Me deu um dó incrível! O Zé Pedro Goulart me ligou pra falar, fiquei super feliz, mas queria ter estado lá. No entanto, o Por Trás do Pano é algo muito marcante na minha vida, é o mais reconhecido, foi um projeto que estivemos envolvidos desde o início. O As Melhores Coisas do Mundo é outro que gosto muito. E tem o Hoje, que ainda não foi lançado, mas que me emocionou muito quando vi pronto pela primeira vez. Este já nasceu importante para mim, me tocou muito. Acho que é o personagem mais complexo que já fiz.
(A peça Sem Pensar estará em cartaz em Porto Alegre de 13 a 15 de julho, no Theatro São Pedro)
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