Depois de se aventurar pelo universo infantil-ecológico de Tainá 2: A Aventura Continua (2004), Mauro Lima se encontrou conduzindo algumas das cinebiografias mais populares do cinema brasileiro recente. Primeiro foi o campeão de bilheterias Meu Nome Não é Johnny (2008), baseado na história de João Guilherme Estrella, que ganhou 6 troféus no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional – inclusive dois para o cineasta, como Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora Original. Depois veio Tim Maia (2014), sobre o grande e saudoso cantor que o aproximou de vez do mundo da música, universo ao qual ele retorna agora em João: O Maestro, porém com uma pegada mais lírica e erudita – afinal, estamos falando da trajetória do pianista João Carlos Martins. O longa, selecionado para a sessão de abertura do 45o Festival de Cinema de Gramado, já está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil. E foi durante sua passagem pelo evento da Serra Gaúcha que aproveitamos para bater um papo inédito e exclusivo com o diretor. Confira!
Olá, Mauro. Como você se envolveu com o projeto de João: O Maestro?
Pois então, fui chamado para dirigir o filme. Era uma iniciativa do Bruno Barreto, no começo. Porém, por questões de agenda, ele não pode fazer, e foi quando me convidaram, pois haviam prazos para serem cumpridos, e não seria possível esperar por sua volta. A primeira coisa que fiz, quando me envolvi, foi me dar conta que o roteiro teria que ser refeito. Até porque o próprio João havia pedido algumas modificações. Então, me chamaram não apenas para a direção, mas também para ser roteirista. Ou seja, não nasceu em mim, mas comigo tudo partiu do zero.
Quais foram as principais mudanças que você fez em relação ao roteiro original?
O que está na tela em João: O Maestro é fruto de um roteiro totalmente novo. Não partimos do anterior, a primeira versão foi totalmente descartada. Não conhecia a história do João, ao menos não nessa dimensão, e precisava me apossar dela. Tinha uma vaga ideia de quem ele era, mais ou menos como todo mundo. Tinha visto ele em programas de televisão, sabia que era alguém importante, um músico de renome, que hoje era um maestro reconhecido. Pronto, isso era tudo que meu parco conhecimento oferecia. Para se ter noção, achava que havia perdido o movimento da mão por esforço repetitivo, algo que é até comum entre esses artistas. Mas, quando me fizeram o convite, vi que seria necessário fazer uma grande pesquisa, para saber quem era esse cara de verdade. Olhei vídeos no youtube, livros, entrevistas. E me dei conta que a história dele era muito maior do que a que conhecia, principalmente sua importância como pianista.
Coincidentemente, parece que você estava predestinado a levar esse história para as telas, não?
Pois então, olha que coisa maluca. Fui colega do filho dele, quando éramos crianças, na escola. Isso ainda na infância! Um dos meus primeiros amigos foi esse garoto. E a gente se via todos os dias, mais ou menos até o fim do primário. Tinha essa lembrança, de um colega do colégio cujo pai era pianista de música clássica, mas não mais do que isso. Não sabia que ele havia sido tão grande, com uma carreira internacional tão expressiva. Só fui descobrir essas coisas quando, ao me envolver com o filme, comecei a estudar e esse mundo se revelou para mim. Ao contrário do que o bobalhão da Folha de São Paulo disse, não fui pesquisar na Wikipedia dele – até porque a página dele na Wikipedia não tem todas essas informações.
Você fez essa pesquisa antes ou depois de ter concordado em dirigir o filme?
Antes. Ainda não sabia se iria aceitar. Mas quanto mais coisas descobria a respeito, mais me surpreendia. Até que percebi que a vida dessa cara era, mesmo, uma de cinema. Se ele fosse um datilógrafo, seria uma coisa tão louca quanto, que iria merecer a mesma atenção, porque tudo o que ele passou é muito singular. O nosso João: O Maestro é quase um musical, mas tem uma estrutura, sei lá, de filme de boxe, talvez. Tem essa coisa de perder, ser desafiado, se organizar para a volta, e por aí vai. O destino é o antagonista dele em uma trama de pugilismo.
Cada episódio que ele viveu era para incrível demais para ser verdade, não?
Pra começar, o cara torce para a Portuguesa, o que por si só já é uma loucura (risos). Daí ele vai pra janela do apartamento em Nova Iorque e se depara com o time jogando bola no Central Park! Ele não só vai jogar com eles, como acaba caindo e bate com a mão em uma pedra, exatamente no nervo que complica sua função motora – poderia ter batido em qualquer outro lugar do corpo dele – na bunda, no pé, sei lá onde – mas foi exatamente naquele ponto específico que terminaria por lhe prejudicar. Anos depois, é assaltado e leva uma paulada na cabeça, acertando-o justamente no cérebro, no lugar que mexe com a mão direita que já era prejudicada. Parece que o destino fica chamando a todo instante para uma nova revanche, um novo round. E ele aceita, treina de novo e se prepara para mais porrada.
Uma coisa curiosa é que o João Carlos Martins, em certo momento de sua vida, se envolveu com o Eder Jofre – vocês citam isso no filme. E o Jofre também está ganhando uma cinebiografia que irá estrear em breve…
O mais engraçado é que um dos diretores que chegou a passar por esse projeto, que vai se chamar 10 Segundos, e será lançado ainda nesse ano com o Daniel de Oliveira como protagonista, o Rogério Gomes, também conhecido como Papinha, é meu amigo, e contei essa história com o João. E ele levou um susto, pois não tinha nada disso no filme deles. Ficaram sabendo por mim! O João convenceu o Eder a voltar a lutar quando já estava velho, tinha quase 40 anos, e recuperar um cinturão com essa idade não é pra qualquer um.
Você acha que o público brasileiro está preparado para se deparar com esse tipo de história a respeito destes heróis nacionais quase desconhecidos?
É interessante essa questão. Espero que esse filme faça pelo público o que a minha ignorância não tinha feito por mim. Que possibilite descobrir quem é esse indivíduo que foi tão importante e que está aqui até hoje. Exemplos que superação não é exatamente o que procuro numa história. Por isso que tive que ler muito para decidir se aceitava ou não me envolver. Pois, no começo, era só isso que conhecia, a vida de um homem que foi grande, teve um baita problema e precisou dar a volta por cima. Contar isso não era algo que me atraía. Mas quando vi quem ele foi, a biografia de um cara que foi patrocinado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), que tocou para o Eisenhower, que ficou amigo do Leonard Bernstein, que tocou com o Zubin Mehta… isso, sim, acho bacana. E é o mesmo cara que fica quebrando a cara por aí, o que é mais louco.
Quais foram as suas referências ao elaborar o filme?
Puxa, teve um cara que me disse que essa era a história de alguém que tá sempre pronto para desistir, mas que mesmo assim segue em frente, assim como acontece no Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014). Nossa, isso me desmontou, porque acho o Whiplash muito chato (risos). Isso foi antes de ter aceitado, e ao ouvir isso, me senti desmotivado. Mas a vida dele é muito mais legal que a do garoto daquele outro filme. Além disso, tem outra coisa interessante: mesmo sendo um erudito, ele é muito conhecido. Um dia fui encontrar com ele em um hotel no centro do Rio de Janeiro, perto do Teatro Municipal, onde estava a Filarmônica. A gente saiu caminhando, numa terça-feira à noite, por aquelas ruelas atrás da Cinelândia, e o pessoal tava naqueles botequins, nas esquinas, tocando um pagode, e por onde a gente passava, o povo exclamava: “olha ali o maestro”. Essas pessoas conhecem o maestro e o cara da mão, mas não o quanto ele foi grande como músico. E é isso que queremos mostrar.
Como foi a escolha do elenco, principalmente os atores que interpretam o protagonista?
A gente precisava, de fato, ter atores muito bons à frente do elenco. Não dava para arriscar. Tinha que ser o melhor possível, ter alguma semelhança física, e ainda afinidade com o mundo da música. Isso foi o que norteou nossas escolhas para esses três atores em especial. O Alexandre Nero é músico, por exemplo. O Rodrigo Pandolfo aprendeu a tocar piano na infância, e sabe tocar até hoje. E o menino também é muito bom nisso, toca vários instrumentos e tal. Obviamente, nenhum deles é pianista clássico. Isso foi algo que fomos aperfeiçoando durante o desenrolar do filme.
E a polêmica troca do Marcelo Serrado pelo Alexandre Nero? Como isso se deu?
Olha, não posso falar sobre isso, pois foi antes de eu entrar no projeto. Eu escolhi o Nero. Antes, no entanto, o João havia convidado o Marcelo, mas isso não tinha chegado até mim. Quando entrei no filme, tudo mudou. Os atores que estavam antes foram todos substituídos. Eram escolhas do Bruno Barreto, com outro roteiro, uma história diferente. Era outro filme. O meu é esse que está agora nos cinemas, e, para ele, esses atores que escolhi eram os melhores.
A tua relação com a música clássica mudou após ter feito João: O Maestro?
Um pouco. Fiquei um pouco mais tirador de onda agora, acho (risos). Já gostava, mas aprendi muito mais depois de viver a vida do João Carlos Martins.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2017)
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