Caco Ciocler simplesmente não para. Como ele mesmo afirma, não há um ano que passe sem fazer ao menos um filme. Desde Caminho dos Sonhos (1998), sua estreia na tela grande, até hoje, foram nada menos do que 30 filmes, entre os já finalizados e os que ainda estão para estrear, atuando tanto como ator como também como diretor e produtor. E se por muito tempo nos acostumamos a vê-lo como protagonista, de um tempo para cá tem se sentindo mais confortável com personagens que fogem do óbvio, com participações pontuais, porém marcantes. Mais ou menos o que vemos em Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer, um drama apocalíptico (?) que se passa em um cenário gélido, e no qual o astro aparece como o dono de uma fábrica de gelo, o único que sabe o destino que aguarda os demais envolvidos na trama. E foi sobre esse seu mais recente trabalho que tivemos um bate-papo revelador com o astro. Confira!
Como surgiu o convite para participar de Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer?
Eu já tinha feito um filme com o Thiago Luciano, o diretor (Um Dia de Ontem, 2009), e fiquei fã dessa turma. Acho que ele tem uma profundidade de diálogos impressionante, é muito talentoso. É um cara que está atrás de uma identidade cinematográfica muito honesta. Então acabei entrando sem ganhar nada, mas porque abracei a ideia. É um filme de amigo. E era algo estranho desde o roteiro, o que, à princípio, considero algo bom.
É um filme de fato bastante estranho, bem diferente do que estamos acostumados no cinema brasileiro…
A história de como surgiu esse projeto é interessante. O Thiago foi para a Patagônia com a Lucy, esposa dele e atriz também do filme, para uma viagem de casal. Eles levaram a câmera e fizeram umas imagens por lá, nem mesmo um roteiro tinham. Eram cenas do que viram, ela caminhando na neve, esse tipo de coisa. Não sabiam como aproveitar aquilo. Achei curioso. Vieram com um material lindo e pensaram: “o que podemos fazer com isso?”, e decidiram escrever um roteiro. Foi quando ele criou essa fábrica de gelo, mais ou menos inspirada no lugar onde o próprio pai trabalhava. E ambientado nesse mundo pré-apocalíptico. Na época que me fez o convite, estava faltando água em São Paulo, tinha tudo a ver com aquela crise hídrica. Como o cinema não estava falando sobre aquilo? Era algo que precisava ser discutido. Particularmente, acho que estamos à beira de um colapso.
Quem é o Luciano, esse chefe da fábrica que você interpreta?
Esse personagem é o principal elemento de estranheza do filme. O diretor me deu liberdade total. Quando estamos filmando, não temos muita noção do que está acontecendo. Na real, vendo hoje, penso que acabou destoando um pouco, está um tom acima dos demais. Mas isso é uma questão da direção, que não equalizou, e muitas vezes de propósito – penso que ele quis que eu fosse estranho assim. Mas adoro essa figura. Ele foi nascendo já na caracterização. Sempre achei muito louco esses caras que deixam crescer um lado do cabelo e penteiam por cima para tapar a careca. Isso é bizarro! A quem ele acha que está enganando? Isso me atraiu. Quando me vi daquele jeito, o dono de uma fábrica de gelo que tem consciência do apocalipse, e que precisa manipular aquelas pessoas, me veio a imagem de um fascista. Quase um Hitler. Até deixei um sotaque meio estrangeiro, porque estava na cara que ele não era desse mundo.
Enquanto ator, te ajuda essa composição externa? Ou é algo que vem mais do interior?
Nossa, me ajuda muito. Nosso ofício é, basicamente, brincar de faz-de-conta. Tenho mais facilidade com personagens assim, do que com um que me obriga a vestir uma roupa igual a que estou usando agora, por exemplo. Gosto quando é um lugar distante daquele com o qual estou acostumado. Ainda mais no cinema, que é tudo muito técnico. Para você ir até esse lugar de fantasia, de imaginação, quanto mais longe for possível ir nesse sentido, melhor.
Um elemento externo, como o clima, pode ser determinante para o comportamento dos personagens?
Acho que sim, e esses personagens do Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer, por exemplo, tocam diretamente nesse ponto. No nosso filme, é a questão do frio, mas em títulos como Mormaço (2018) ou Tropykaos (2015), que são outros exemplos recentes, era o contrário, eram afetados pelas altas temperaturas. Enquanto a gente não entender que somos o planeta, que fazemos parte do todo, nada irá melhorar. É isso que está detonando com a humanidade. Sempre se pensou que o ser humano era uma coisa, e o meio ambiente outra. Mas acho que essa nova geração que está vindo – tenho um filho de 21 anos – é aquela que talvez ainda consiga nos salvar. É um pessoal que já entendeu que a gente tem que se integrar, que somos um reflexo da natureza, um corpo único. Somos todos um organismo só. E o cinema está começando a refletir esse pensamento.
Entre todos estes filmes que você está participando, há também o Contra a Parede (2018), que foi lançado diretamente na televisão e marcou a estreia do Antonio Fagundes como produtor. Como surgiu esse convite?
O Fagundes tem esse pensamento no teatro, de não pedir patrocínio, e por isso pensou: “por que não no cinema?”. Abracei a ideia porque achei corajoso. Entendo qual é a luta dele. Mas foi uma coisa louca, né? Ele não quis nem distribuir o filme. Quando começou a entender como funciona no cinema, quanto ficaria para o distribuidor, exibidor etc, se deu conta que é muito complicado. Não sobra nada. Então, decidiu ir na contramão de uma lógica já pré-estabelecida, e isso me interessou. E por isso decidi fazer o filme e aceitar o convite dele.
O Emilio Siqueira, teu personagem, é uma figura que se cria uma certa expectativa, pois se fala muito sobre ele, mas só vai aparecer no final da trama. É maior a responsabilidade quando isso acontece?
O que achei legal é que quiseram criar um tipo diferente, que fugia do óbvio. Hoje, quem tem o poder, são os jovens da comunicação. E esse cara lida com satélites, está antenado com o seu tempo. Tirou um pouco dessa figura do grande empresário, do banqueiro tradicional. Esse deslocamento de poder era interessante. Não é mais um empreiteiro. É um jovem que se veste bem, come bem, gosta de um bom vinho, sabe tudo de tecnologia. É um hipster, pude usar um barbão. Agora, em termos de responsabilidade, acho que não. Isso é mais com o diretor, com o roteirista.
Você tem apenas uma cena no filme, mas já deixa sua marca. Entre protagonistas e coadjuvantes, o que mais lhe agrada fazer?
Tem sido uma leva para mim, nos últimos cinco anos, digamos, de personagens no cinema que possuem participações pontuais. Ao mesmo tempo, são todos importantes para a trama. No João: O Maestro (2017), por exemplo, era o professor, tinha poucas cenas, mas determinava o futuro do protagonista. São coisas diferentes entre si, e de uma forma ou de outra acabavam me interessando.
Você estreou como diretor com o documentário Esse Viver Ninguém Me Tira (2014). Pensa em atuar mais atrás das câmeras?
No caso desse documentário, fui contratado para dirigi-lo. Era outra história. Mas tenho, sim, muita vontade de dirigir ficção. Até ensaiei um projeto tempos atrás, que se chamaria Dias de Inferno na Síria, baseado no livro do Klester Cavalcanti (mesmo autor de O Nome da Morte, 2017). Ele que me procurou, disse que queria que eu dirigisse. Na época, não conseguimos viabilizar. Agora, parece que os direitos foram comprados por uma distribuidora. Vamos ver se acontece.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2018)
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