Ele é, provavelmente, o ator uruguaio mais conhecido no exterior atualmente. César Troncoso é a resposta do Uruguai ao argentino Ricardo Darín, porém com uma diferença: se Darín se mantém restrito ao cinema em língua espanhola, trabalhando apenas na Argentina e, raramente, na Espanha, Troncoso há um bom tempo tem praticado cada vez mais o português. Desde o sucesso de O Banheiro do Papa (2007) – longa exibido no Festival de Cannes – a aproximação dele com o cinema brasileiro tem sido cada vez maior. Tanto que já ganhou dois kikitos no Festival de Gramado e também já foi indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o Oscar da produção nacional). Premiado pelas associações de críticos do Uruguai e da Argentina, está voltando às telas nacionais na cinebiografia Elis (2016), de Hugo Prata, em uma participação especial. Além disso, marcou presença na comédia uruguaia Las Toninas van al Este (2016) – premiada na Serra Gaúcha – e é um dos protagonistas de O Vendedor de Sonhos (2016), novo drama de Jayme Monjardim, filmado em São Paulo. Sobre todos esses projetos, sobre o seu livre trânsito na produção latino-americana e até sobre a diversidade sexual no cinema o astro falou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
César, você participou da última edição do Festival de Gramado com dois filmes: o brasileiro Elis e o uruguaio Las Toninas van al Este. Vamos começar por esse último, no qual você faz uma participação especial. Como surgiu esse convite?
Bom, conheço Veronica Perrotta, atriz e codiretora do filme, há anos. No Uruguai conheço muita gente de cinema, mas ela veio do teatro, tem outra formação. Ainda assim, é um país pequeno, todo mundo se conhece. E somos amigos há mais de 20 anos, fizemos peças juntos. Este é o segundo filme dela também como roteirista. Tem outro, anterior, que se chama Flacas Vacas (2012), em que ela é a protagonista e eu tenho um pequeno papel. Era um filme de mulheres, com uma participação bem pequena de homens, mas tinha um personagem meio esquisito, que ela me ofereceu. Então já virou quase uma piada entre nós, a lógica agora é que quando ela tem um personagem meio estranho… é meu! (risos)
Ela comentou que era tua fã desde o tempo que tu era uruguaio. Como é essa internacionalização do César?
Pois é, acho que já virei carioca da gema, né? Não, claro… tem muita gente que acha que moro no Brasil, ao mesmo tempo em que tem quem sinta que não estou muito tempo lá no Uruguai, que já virei alguma outra coisa desconhecida. Mas na verdade continuo morando…
O César é do mundo?
É… não, do Mercosul, apenas (risos). E ainda falta conquistar o Paraguai, que ainda não fui. Mas, não, estou trabalhando no Brasil, com alguma coisa pequena na Argentina. Tenho dois ou três filmes feitos por lá, na verdade, mas o meu trabalho agora é mais aqui, mesmo. Acho que já tenho mais trabalhos no Brasil do que no Uruguai.
O Las Toninas tem uma visão bastante sensível sobre a diversidade sexual, e não é teu primeiro filme sobre esse tema. Lembro do XXY (2007), O Quarto de Léo (2009)… Quanto ainda é necessário trazer esse tema pra discussão?
O tema tem que ser discutido porque você tem gente que morre por causa da intolerância, do preconceito. Foi exibido neste mesmo Festival de Gramado um filme com uma atriz transgênera (N.E.: trata-se do curta Ingrid, de Maick Hannder). Não cheguei a vê-lo, então não sei se foi assim exatamente, mas ouvi dizer que ela falou que a mulher trans no Brasil tem uma média de vida de 34 anos! E que ela estava com 30, então… será que irá ficar neste mundo apenas mais 4 anos, e depois terá que passar pro outro? Esse é o problema, a não aceitação.
Ter participado destes filmes de alguma foram lhe ajudou a ter um olhar mais amplo sobre esta questão?
Tenho um olhar bastante amplo, sim. Mas posso, às vezes, não querer ver um filme gay, né? Mas entendo que é necessário, que essas histórias precisam ocupar um espaço como qualquer outro. Outro filme também exibido em Gramado, o Esteros (2016), também tinha tema gay, era argentino, mas acima de tudo era uma história de amor, de gente que se ama. Devíamos parar de falar: “Ah! É um filme LGBT”. É um filme! Pronto! Teria que ser assim. Se depois você não gosta, não assista. E se gosta, vai e divulga. Mas é um filme normal, com a lógica normal, de gente que tem amor.
Vamos falar agora do Elis, que está chegando aos cinemas. Queria saber se você já conhecia a história da Elis Regina, se já a acompanhava, tinha um interesse nela?
O convite para participar do Elis veio a partir dos outros trabalhos que tenho feito no Brasil. Acho que foi a Marcela Altberg, produtora de elenco, que me procurou, pois já conhecia meus trabalhos. Conhecia Elis Regina, claro, ela é muito conhecida também no Uruguai. Por lá se escuta muita música brasileira. A influência da Bossa Nova sempre foi grande. O Jorge Drexler, por exemplo, cantor uruguaio que ganhou o Oscar, agora é parceiro do Paulinho Moska, né? Todo mundo está ligado. A influência da música dos anos 1970 foi muito grande no Uruguai, então, Elis é um dos nomes também da minha formação. Foi uma grande cantora e sempre esteve na memória musical da gente. O Uruguai tem um relacionamento muito forte com o Brasil. Conhecemos e gostamos do Vinicius, do Toquinho, de toda aquela gente daquele tempo, até porque eles também iam se apresentar por lá. Além disso, tinha lugares específicos onde você podia escutar música brasileira. Claro, não sabia toda a história dela, apenas do sucesso e que havia morrido muito nova, de forma trágica. Mas não sabia dos romances, por exemplo. Mas é lindo, porque foi uma grande cantora, e trabalhar no filme foi ótimo, sabia que o meu personagem era pequeno, mas também, quando cheguei, vi o mergulho que estava fazendo a Andreia Horta, que entregou um trabalho lindo. Ela ficou igual à Elis.
Esse filme argentino que mencionaste, o Esteros, se passa bem na região da fronteira do Brasil com a Argentina. E tem um filme seu que também se passa nessa região, O Banheiro do Papa (2007). Foi ele que te abriu as portas, certo? Quais as tuas lembranças e o quanto ele foi importante pra tua carreira?
Ele foi 100% importante para a minha carreira. Temos vários filmes marcantes, né? Mas O Banheiro do Papa mudou a minha vida, não apenas a minha carreira, mas toda a minha vida, porque antes dele eu trabalhava num escritório de contabilidade lá no Uruguai, e quando O Banheiro do Papa passou em Gramado, e foi premiado, tudo isso contribuiu para que o filme fosse muito querido no Brasil. A partir disso comecei a trabalhar aqui. E esse trabalho que fiz aqui me permitiu, por exemplo, deixar o escritório de contabilidade e virar ator 24 horas. Sinto sempre um profundo agradecimento por esse filme, muito orgulho dele. As filmagens foram ótimas, tudo deu certo, né? É tudo agradecimento pra mim.
Tua presença tem sido constante no Festival de Gramado, desde O Banheiro do Papa. Como você vê a importância de Gramado como porta de entrada do mercado latino no Brasil?
É importante, fundamental. Acho que essa foi minha quinta vez no festival. E já fui duas vezes premiado, pelo Banheiro e também por A Oeste do Fim do Mundo (2013). Fui júri também. E… tenho fotos comprometedoras (risos), por isso que venho sempre. (risos) Mas é muito importante, uma vitrine do cinema latino no Brasil, uma porta de entrada, numa região que é o sul do país, mas que também entende muito da América Latina. Pra mim, a diferença entre um gaúcho, um argentino e um uruguaio do interior é… a língua. E a erva ruim que tomam os argentinos, nós tomamos da boa (risos), mas… é a mesma coisa, e claro, isso facilita muito a abertura do Rio Grande do Sul pra os nossos filmes. É um jeito de entrar num mercado que, pra nós, é muito interessante. Acho que pra o Brasil está abrindo também essa possibilidade, a América Latina que fala espanhol é muito interessante também.
Você mencionou que a sua carreira no Brasil é até maior do que no Uruguai. Tem algum trabalho em especial feito aqui que lembra com mais carinho?
Não… lembro de tudo, né? Os trabalhos com o Paulo Nascimento aqui no sul, fiquei muito amigo da turma do Rio Grande do Sul por conta desses trabalhos. Outro que me deu muito orgulho foi o Faroeste Caboclo (2013), que foi lindo. O peruano Pablo é um personagem lindo, mas fiz também o Hoje (2011), aquele da Tata Amaral com a Denise Fraga, que é uma grande atriz. Trabalhar com a Denise é muito fácil, né? Porque ela é muito generosa. Há pouco terminei o novo filme do Jayme Monjardim, O Vendedor de Sonhos (2016), que estreia em dezembro. Fiz ainda O Tempo e o Vento (2013), que foi feito por um paulista, mas é um filme do sul.
Ou seja, tem circulado bastante…
Pois é, mas queria falar, aproveitando, pro cinema pernambucano, que ainda não conheço Pernambuco e to querendo muito ir pra lá (risos).
Uma coisa que me chamou a atenção no Las Toninas van al Este é que geralmente o cinema uruguaio é uma coisa mais melancólica, e este filme é alegre, colorido, pra cima. Esse foi um fator que despertou teu interesse?
Sim, gosto da diversidade no cinema, né? O cinema do Uruguai está muito associado aos tempos mais lentos, a algo mais triste, mas o Uruguai não é só isso. Essa capacidade que o Las Toninas tem de virar comédia é incrível. Esse personagem, o protagonista, é fantástico. O Jorge Denevi, nós o chamamos de Flaco, é um craque! Ele é diretor de teatro há anos, acho que da geração dele é o melhor. E embarcou total na proposta do filme, veio com essa coisa de pintar o cabelo de amarelo, barba de amarelo, virou uma bichona louca (risos). E isso também é o Uruguai, entende? O que mais gosto do cinema de lá é isso, pois tem essa abertura. Acho que temos que fazer mais filmes de gênero também. Temos capacidade para isso. Mas, claro, quando você tem o perfil do uruguaio médio, que é interessante, mas que não deveria ser único, fica com essa expectativa do cara caladão, quase triste, nostálgico. Esses filmes favorecem essa novidade, e uma das melhores coisas que você pode fazer no cinema é rir.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, Rio Grande do Sul, em agosto de 2016)
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