Maria Ribeiro nunca se acomodou na figura da mocinha indefesa. Mulher dona de uma beleza forte e de uma personalidade simples, começou a chamar atenção primeiro no Sul, ao participar da minissérie Incidente em Antares (1994), baseada no livro de Erico Verissimo, e do filme Tolerância (2000), de Carlos Gerbase. De lá para cá, a garota cariosa marcou presença em quase duas dezenas de novelas e especiais de televisão – de Malhação (1995) até a recente Império (2015) – passando por curtas e muitos longas. Parceira de Domingos de Oliveira em três trabalhos, esteve ao lado do marido Caio Blat em Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos (2009) e é uma das protagonistas de um dos filmes brasileiros de maior bilheteria de todos os tempos: Tropa de Elite 2 (2010). Porém, somente agora, em Como Nossos Pais (2017), ela acredita ter encontrado o papel de sua vida. Premiada recentemente com o Kikito de Melhor Atriz por esse desempenho no 45º Festival de Gramado, a atriz conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, falando sobre suas motivações artísticas e como foi trabalhar ao lado de Paulo Vilhena e junto com a diretora Laís Bodanzky. Confira!
O cinema feminino tem se destacado nos últimos anos no Brasil, com títulos como Flores Raras (2013), Que Horas Ela Volta (2015) e Aquarius (2016). Você acredita que Como Nossos Pais se encaixa nessa tendência?
Com certeza. E fico muito feliz em fazer parte disso. A gente só consegue falar dos problemas das mulheres se tivermos mulheres à frente destas histórias. No nosso caso, por termos um filme escrito e dirigido pela Laís Bodanzky, e ela ter chamado uma atriz já com uma personalidade muito específica, como a minha, conta muito. Desde o começo ela propôs uma relação muito horizontal, o feminismo começou no set. Veja essa questão da representatividade: temos apenas 10% de mulheres no Congresso Nacional. Nunca iremos aprovar o aborto com um quadro desses. É natural, é difícil, a empatia é um exercício muito sofisticado. A gente acaba cuidando dos nossos interesses, é inevitável.
Como a personagem Rosa pode ajudar a mudar esse cenário?
As pessoas me dizem que a Rosa é uma personagem que carrega o mundo nas costas. Sim, mas a Rosa mora em Londres – São Paulo é como Londres, é um lugar único, à parte. Imagina a mulher que mora na periferia, que não tem marido, com cinco filhos, sem uma escola forte, precisa deixar as crianças com a vizinha, pega duas ou três conduções todos os dias para ir trabalhar? A gente precisa falar sobre isso. E, de preferência, com uma boa história, pra não ser um discurso chato, entediante.
A Laís Bodanzky lhe agradeceu publicamente por você ter ‘lutado muito por esse papel’. O que ela quis dizer com isso?
Lutei muito porque não queria que a personagem fosse uma vítima. Na feitura, em vários momentos fui contra o que estava escrito. Dizia “aqui acho que ela não iria abaixar a cabeça”, por exemplo. Nesse sentido, fiquei o tempo todo brigando para que a Rosa fosse forte, sem se subjugar à mãe ou ao marido. É claro que já tinha esse olhar no roteiro, mas estava sempre alerta. Lembro de uma cena específica, na qual o Paulinho (Vilhena, que interpreta o marido da Rosa no filme) diz: “essa revista que você leu, você leu errado, não era nada disso”. E a Laís me orientou: “Maria, preciso que a Rosa se sinta acuada nesse momento, pois o marido entende muito mais do assunto do que ela”. E respondi: “tá ótimo, mas vai depender dele. Se ele acuar a Rosa, vou ficar acuada. Agora, se ele não acuar, vou responder à altura”. Entende a diferença?
A Rosa é uma personagem que erra muito, mas não tem medo de assumir esses erros e logo em seguida vai lá e pede desculpas. Como é construir um personagem que não é perfeito?
Graças a Deus, né? É muito bom. E também raro. Fazer um personagem humano, que não é maniqueísta. Que erra, é grossa com a filha, depois se arrepende e vai dar um abraço, pede desculpas. A vida é assim, a gente está o tempo inteiro consertando relações. Procuro ensinar isso aos meus filhos. Brigou com um amiguinho? Faz as pazes. E se ele pediu desculpas, vai lá e perdoa. Personagens assim são maravilhosos e difíceis de encontrar. Ninguém é bom ou mau, mas todo mundo é bom ou mal, depende do momento.
O Paulo Vilhena vive teu marido em cena, e vocês já haviam trabalhado juntos no Entre Nós (2013). Fale um pouco sobre a parceria de vocês.
Eu sou apaixonada pelo Paulinho. Ele é o melhor amigo que tenho, o cara mais franco que conheço, é um ator generoso, que joga junto. Brinco que o Paulinho se faz de garotão pra ser gentil. Pra não parecer tão fodão. Ele é um excelente ator, um amigo incrível, e muito simples. É presente, sabe? Gosto muito de improvisar, e ele sempre topa, dá força. É um ator com o qual fico muito feliz em trabalhar junto.
Olhando para a tua filmografia, percebemos desde parcerias mais autorais, como com o Carlos Gerbase ou o Domingos de Oliveira, como também projetos que se tornaram fenômenos, como Tropa de Elite (2007). Em qual perfil o Como Nossos Pais se encaixa?
Como Nossos Pais é o filme da minha vida. Não sei se terei outra personagem tão maravilhosa quanto a Rosa. Prefiro fazer cinema de autor, acho mais gostoso. Acho super legal participar de projetos grandiosos, fico feliz com isso, mas gosto, mesmo, é de falar de relacionamentos. Mesmo no Tropa, a parte que me cabe é a DR, do casamento, da relação familiar. Gosto de falar da vida real. Se fosse escrever filmes, e talvez um dia crie coragem para isso, vou por essa praia do Domingos, da Laís, do pequeno drama.
Como Nossos Pais tem circulado pelo mundo todo. Como você tem percebido essas diferentes reações?
Fiquei muito chocada em Berlim, por exemplo, porque achei que na Europa a gente não fosse chamar tanta atenção. Você sabe, por lá eles costumam chegar mais junto. E porra nenhuma, foi o contrário. Todas as mulheres, principalmente, vinham falar comigo. E em Paris foi a mesma coisa. “Nossa, Meu Deus, maravilhoso, amei…” é o que nos diziam. Não foi à toa que a Sofia Coppola foi premiada em Cannes nesse ano. A gente tá vivendo uma parada que tá no universo. É pegar, mesmo, e ir em frente.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2017)
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