12 set

Bacurau :: Entrevista exclusiva com Bárbara Colen e Thomas Aquino

Em Bacurau (2019), filme-sensação que já foi conferido por mais de 300 mil pessoas nos cinemas brasileiros, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2019, Bárbara Colen interpreta Teresa, mulher que retorna ao pequeno lugarejo de sua meninice para enterrar a quase centenária avó que acabara de falecer. Um de seus melhores amigos é Acácio/Pacote, vivido por Thomas Aquino, sujeito afamado na região pelo sangue frio durante assaltos e outras transgressões. Diante da invasão estrangeira que ameaça a integridade física (e histórica) desse local, ambos ocuparão suas posições na resistência para rechaçar o perigo que vem de longe. Pode-se dizer que Bárbara é uma estrela em ascensão. Após viver a versão jovem da protagonista de Aquarius (2016), ela se tornou uma das novas queridinhas do cinema, sendo parte fundamental do elenco, por exemplo, de No Coração do Mundo (2019). Já Thomas Aquino, coadjuvante em filmes como Praia do Futuro (2014) e integrante do elenco de séries, tais como 3% (2016-), agora tem seu primeiro papel de destaque nas telonas. Conversamos com os dois no Festival de Gramado 2019, evento inaugurado exatamente por Bacurau. Este Papo de Cinema exclusivo você confere agora:

 

A Teresa é aquela que fornece ao espectador o caminho para a cidade de Bacurau. Como foi o convite para esse papel? E a responsabilidade de ser uma espécie de guia para esse mundo?
Bárbara Colen:
Me lembro bem. Estava andando na rua quando recebi o convite. Sentei e comecei a chorar (risos). Queria muito fazer o filme, mesmo sem saber do que se tratava. Desencanei ao perceber que a seleção era, em princípio, apenas para elenco nordestino. Mas queria muito estar nesse lugar. E aí veio convite (risos). Foi realmente emocionante. Já tinha uma experiência prévia com o Kleber e o Juliano no Aquarius. O Juliano era diretor de arte, mas tivemos uma relação de proximidade. Já na leitura do roteiro do Bacurau sabia que havia ali uma história grandiosa para ser contada. Para nós atores a tarefa inicial era desvendar aquele roteiro, porque havia muita coisa nele, não se tratava simplesmente de identificar a trajetória dos personagens. Tinha muitas referências importantes para que eu pudesse construir a Teresa, isso para além de qualquer psicologismo. O importante era entender o conteúdo político, histórico e cultural, principalmente. Não é uma história de personagens, mas de um coletivo. E a Teresa tem realmente isso de ser o olhar do espectador. Acho que a palavra não é bem responsabilidade, mas amor.

Thomas, em certos momento o seu personagem pede para ser chamado de Acácio, em outros atende pela alcunha de Pacote. Como você trabalhou a dualidade dessa figura?
Thomas Aquino:
É muito louco. Na verdade, especificamente o Juliano me passou como referência vários filmes do Clint Eastwood. Entendi que o Pacote/Acácio é o típico herói do western. É um cara que fez muita coisa antigamente, mas que no presente quer tentar outra vida. Todavia, algo nesse presente/futuro faz com que ele tenha de voltar ao passado. Essa dualidade dura apenas uma noite, na verdade (risos). Ele é um personagem inteligente, fareja perigo. A partir do momento em que chega à cidade um caminhão furado a bala, que surgem os motoqueiros estranhos, com capacete, ele se liga prontamente. Naquela cena em que ele fica atrás do caminhão, pode notar, há a decisão instantânea de não continuar sendo o Acácio e voltar a ser o Pacote.
B: Interessante, porque acho que a Teresa também tem um pouco disso, quase uma dualidade. Ela se pergunta como lidar com violência, adiante a utilizando no sentido da resistência. Não tem outra escolha para eles. Para sobreviver é preciso se apropriar da brutalidade.
T: O Pacote está num conflito. Ele não quer fazer o mesmo de antes. Com certeza tem uma história pregressa de violências com o Lunga. Os dois já devem ter matado muita gente. Porém, quando ele vai buscar o Lunga a intenção é conseguir ajuda, pura e simplesmente. E, curioso, porque ele fica com a Teresa ali na escola protegendo as pessoas. O Pacote até poderia ter parte mais ativa naquela chacina que acontece, mas prefere permanecer na contenção.

 

Como foi trabalhar com o Kleber e o Juliano, dessa vez, assinando juntos a direção?
B:
No Aquarius o Juliano funcionou também como uma espécie de preparador. Acabamos tendo muitas conversas. Kleber e Juliano lidaram com a questão da codireção de uma forma bem natural. Não senti qualquer dificuldade de estar diante de duas cabeças dirigindo, até porque eles tinham muita afinidade com a história. Era claro para os dois o que contar, até porque eles maturaram durante anos o filme. Não sei como foi para o Thomas, mas senti que todo mundo estava afinado. Quando você tem a clareza do que deseja contar fica mais fácil, porque não se estabelecem tantos lugares de conflito, o processo criativo fica mais gregário. E os dois são muito abertos no instante da criação.

Houve a possibilidade de improvisar, de adicionar elementos?
T:
Muita. Na cena que mencionei, por exemplo. No roteiro constava que apenas a Teresa e o Erivaldo iriam falar com os forasteiros. O Pacote ficaria ali próximo, tirando algumas fotos para registro. Porém, o Kleber chegou para mim e disse que gostaria que o Pacote entrasse na cena. Depois de tanto conversar, chegamos à conclusão de que ele deveria figurar nessa cena como se estivesse interpretando um personagem. A máscara da máscara (risos).
B: Kleber e Juliano estavam bem ligados. Ficamos três meses naquele lugar, convivendo. Os dois estavam antenados no que a gente era. Acabamos sendo nós mesmos muitas vezes. E Thomas é muito palhaço no set. Ele só faz a gente rir o tempo todo (risos). Os dois perceberam a deixa e entenderam que não tinha como desperdiçar isso em cena.

 

Gostaria que vocês falassem um pouco como foi a recepção do Bacurau em Cannes…
B:
Foi surpreendente. Eu tinha uma dúvida, concreta, se o filme conseguiria se comunicar por lá. E conseguiu. O povo parava a gente na rua o tempo inteiro em Cannes. Os estrangeiros vinham querendo nos abraçar.
T: É um filme bem brasileiro, mas tem algo de global também. Estar em Cannes, com aquelas pessoas parando a gente e recebendo filme de uma maneira muito positiva, foi um presente incrível. Entendemos que o filme representa certas questões que permeiam o pensamento político-social de cidadãos que não são brasileiros.

O que vocês acham que o Bacurau tem a dizer ao Brasil de hoje?
B:
Qualquer obra artística, pelo menos as que gosto, funcionam como ferramenta para interpretar o mundo,  a fim de compreender as nossas posições. Bacurau é um filme do seu tempo, de um recorte da vivência atual. Adiante vai servir de memória. Espero que ele seja entendido como uma contundente mensagem de resistência e senso comum.
T: Para completar: Bacurau é bastante claro. Ele representa muito daquilo que você pode ver e ouvir, claro, isso caso abra olhos e ouvidos para perceber o que está acontecendo.

 

(Entrevista concedida ao vivo no Festival de Gramado em agosto de 2019)

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *