Como dar conta de uma vida tão rica e significativa quanto a da sambista Beth Carvalho? As possibilidades são muitas, as convenções do documentário biográfico estão cristalizadas, mas o cineasta Pedro Bronz tinha um trunfo: uma infinidade de material de arquivo à disposição, por meio do qual criou Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho (2023), costura afetiva de momentos sintomáticos da vida e da obra de uma personalidade que honrou esse substantivo feminino. Para saber um pouco mais como foi esse processo certamente árduo, conversamos remotamente com Pedro Bonz, filho de uma amicíssima de Beth Carvalho, mas que nos revelou ter descoberto coisas durante o processo de montar (ele também é o montador do filme) essa teia de fragmentos sobre a sua “tia Beth”. Confira logo abaixo mais este Papo de Cinema exclusivo, desta vez com o cineasta Pedro Bronz.
Como esse projeto chegou a você? Que tipo de relação você tinha com a obra de Beth Carvalho?
A Beth foi muito amiga da minha mãe, amiga de infância. Elas estudaram juntas, tomaram rumos profissionais distintos, mas foram amigas até a morte da Beth. Minha mãe estava no camarim do primeiro e do último shows dela. Cresci com a tia Beth, pessoa da família. Quando a saúde da Beth foi se debilitando, me caiu uma ficha do momento e de todas as imagens que sempre a vi produzindo. E a ideia do projeto nasce exatamente da busca desse material.
E deve ter sido um desafio enorme trabalhar com esse material, pois ele é vasto e oriundo de vários suportes. Pode-se dizer que foi um processo arqueológico?
Foi um processo arqueológico e etnográfico. Falo pouco, mas chamo o filme de etnográfico, principalmente pelo modo como o material do filme é utilizado. Há pouca manipulação, o respeito pelo arquivo, o modo como a costura é feita, etc. A grande questão desse filme, de fato, é o material, o resgate desse material e a partir disso o olhar da Beth. Então, a minha ideia era um pouco fazer algo no estilo Beth por Beth, até por aquilo que esse conteúdo nos permitia. Antes de tudo era preciso ver o que havia nesse material. Desconfiávamos que havia coisas antológicas. E havia.
Seu filme descarta alguns dispositivos comuns no documentário biográfico, como os depoimentos. Desde sempre você queria que o filme escapasse a certas convenções do filão?
Sim foi uma opção consciente. Entendo o cinema como experiência. E atualmente ele precisa ser cada vez mais experiência, pois temos muito acesso à informação. Antes o cinema também estava ligado à informação. Esse filme é um pouco um prato que você oferece a alguém. É essa pessoa que precisa mastigar e comer. Se coloco um depoimento do Zeca Pagodinho, por exemplo, ele meio que vai mastigar a comida para você. Ele vai falar aquilo que você deveria entender. Ao mesmo tempo, tínhamos uma baixa qualidade técnica de imagens. Mas, depois de um tempo, você se esquece que as imagens têm baixa qualidade, pois há somente isso. Se alterno imagens ruins com outras de alta resolução isso pode afastar o espectador da experiência. Há todo um pensamento cinematográfico.
Mesmo partindo de uma uma intimidade prévia com a Beth, o que você diria que aprendeu sobre ele no processo de fazer o filme?
Primeiro, descobri que eu era um idiota (risos). Estava o tempo todo no meio daqueles caras e não dava a menor importância. Eu era um idiota completo (risos). Mas, o que esse processo acrescentou à minha percepção foi a magnitude da Beth. Eu sabia que ela era enorme, mas quando a pessoa é muito próxima você não dá muito conta disso. A cada dia ia caindo a ficha do tamanho da Beth Carvalho, da imensidão dessa artista.
E teve muito material que te causou sofrimento por deixar de fora do corte final?
Sim, mas não adianta, montar é “cortar dedo”. Chega uma hora que você precisa escolher entre cortar o mindinho e o polegar (risos). Isso faz parte do ofício do montador. E sou originalmente montador. Então sofro, mas entendo. Você precisa tirar coisas para as pessoas verem. No entanto, esse é apenas o primeiro fruto desse material. Estou começando a desenvolver com a TV Zero, a produtora do filme, uma série a partir desse material. Estamos pensando num podcast e outras coisas. Cada recorte desse filme rende um filme. Aquela sequência do Cartola, que no longa tem nove minutos, por exemplo. Temos duas horas do Cartola mostrando 10 músicas para a Beth. Imagina?
E como é conciliar a direção e a montagem? O montador Pedro e o diretor Pedro têm umas divergências ou é de boa?
Ah, a gente fica mais apegado ao material, sem dúvida. Ao vestir o chapéu de diretor você fica mais apegado. Mas, aí eu xingo a minha parcela diretor, chuto ela e tudo fica bom (risos).
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