Nascido no dia 14 de maio de 1980 em São Paulo, Sérgio Tadeu Corrêia Guizé – ou apenas Sérgio Guizé, como se tornou conhecido nacionalmente – já está na carreira de ator há mais de uma década, ainda que tenha se tornado um nome popular apenas ao protagonizar novelas globais como Êta Mundo Bom! (2016) e O Outro Lado do Paraíso (2017). Sua estreia na tela grande, no entanto, foi no drama social Os Inquilinos (2009), de Sergio Bianchi, premiado como Melhor Roteiro no Festival do Rio. Depois vieram outros trabalhos de destaque, como Bruna Surfistinha (2009), de Marcus Baldini, e O Abismo Prateado (2011), de Karim Ainouz. Pois é ao lado das protagonistas destes dois longas – Deborah Secco e Alessandra Negrini – que ele divide a cena na comédia Mulheres Alteradas, um dos principais lançamentos nacionais deste mês. Antes disso, no entanto, pode ser visto no drama Além do Homem, filmado na França e no Brasil, em que aparece como o protagonista. E foi sobre estes dois novos trabalhos que o intérprete conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Olá, Sérgio. Como surgiu o convite para ser o protagonista de Além do Homem?
Foi o Willy Biondani, o diretor do filme, que me procurou. Ele primeiro conversou com a minha assessora, que trabalha comigo há anos. Quando o projeto chegou até mim, li o roteiro de uma só vez e confesso que gostei muito da história. Depois ele me encontrou no Rio de Janeiro, tivemos uma ótima conversa e fiquei encantado pelos personagens. E não só isso: pelo Willy também. Ele é um cara fantástico, e foi a garantia para que o filme ficasse exatamente como a gente queria.
Você é do tipo de ator que se guia pelo roteiro ou gosta de fazer sugestões e improvisar em cena?
Meu primeiro passo, assim que acertamos, foi começar a estudar tudo o que podia sobre esse assunto. Sobre o meu personagem, que figura era essa, sobre essa possibilidade de enveredar uma história pelo realismo fantástico e criar algo novo, do zero. Tive uma autonomia na condução dessa figura que estava criando – aliás, todo mundo teve. O Willy é muito seguro em relação a isso, a criação era de todos, e não só dele. Havia um canal de comunicação entre todos nós muito bom. E foi isso que me encantou, essa oportunidade de investigar assuntos tão inesperados, de ir atrás desse resgate da identidade. Caí de cabeça, mesmo, pois me apaixonei pelo que tinha em mãos. Mesmo fazendo outros trabalhos, me esforcei ao máximo e fiz tudo o que estava ao meu alcance para o sucesso desse projeto. Para se ter uma ideia, a gente se conheceu em 2014. Fazer cinema não é fácil, leva tempo, por isso tem que ser algo que a gente queira muito.
As primeiras cenas de Além do Homem foram feitas na França. Foi tua primeira experiência internacional?
Não exatamente. Antes disso filmei Beatriz, do Alberto Graça, em 2013, em Portugal. Era eu e a Marjorie Estiano, os únicos estrangeiros, e a experiência, mesmo assim, foi muito boa. Dessa vez, no entanto, foi a primeira vez falando uma outra língua. Ficamos uma semana em Paris, mais dez dias de preparo antes. Ao todo, foram cinco dias de filmagens. Já tinha trabalhado com alguns dos atores, então foi mais tranquilo. A relação entre todos foi muito legal, tivemos a sorte de contar com um clima muito agradável no set.
Você sentiu muita diferença entre o modo de filmar no Brasil e na França?
É bem diferente o jeito deles trabalharem, são mais rígidos do que nós, então tem esse lance de ir se acostumando aos poucos. Tive esse receio no começo, mas logo tudo foi dando certo. Precisei ensaiar também com um preparador de prosódia, até para adquirir o sotaque de Paris. Ou seja, houve uma série de cobranças internas, mais minhas do que da direção, aliás. Depois da primeira cena com eles, no entanto, vi que estava tudo certo e pude me acalmar. Eles compraram a história, por mais que fosse diferente do que estão acostumados. Nossos personagens são muito alegóricos, e tentar comunicar isso, a uma outra cultura, explicando a nossa forma de ver as coisas através de uma linguagem tão delicada, que é o uso do realismo fantástico, possibilitou uma verdadeira imersão para todos nós.
E falando francês. Você tinha fluência na língua, ou precisou se preparar para o filme?
O francês não me era estranho, confesso. Havia estudado a língua em algumas ocasiões anteriores. Fiz uma peça para os Sátiros, sobre o Marques de Sade, em 2005, acho, que tinha várias falas em francês. Então, já tinha um conhecimento. Na adolescência, também, lembro de ter estudado. Esse projeto me ensinou também isso, pois me dei conta que, na verdade, não falava nada. Por mais que tivesse me aproximado em outras ocasiões, dessa vez precisei levar a sério. Então, comecei a ter aulas, duas vezes por semana, depois do trabalho. E isso porque acreditava muito no filme, pois mergulhei de cabeça.
Quanto tempo de preparo você precisou se dedicar antes das filmagens?
O filme foi feito em duas partes. Primeiro, em 2015, filmamos em Milho Verde, no interior de Minas, e por isso tive mais tempo para ir trabalhando na minha cabeça. Isso porque filmamos ao contrário do que é visto no filme. Nem voltei para o Rio de Janeiro, fiquei por lá o tempo todo, realmente vivendo aquela história. Paris veio depois. Seria logo em seguida, mas houve aqueles atentados terroristas, o clima estava muito nervoso por lá. Achamos melhor segurar um pouco. Decidimos também em consideração a esse momento, justamente por termos esse canal com os produtores e com o diretor. Então, foi possível para mim terminar minha participação na novela Êta Mundo Bom (2016), acabei participando de mais um filme nesse intervalo, O Homem Perfeito, do Marcus Baldini – foram apenas 20 dias de gravações, bem mais tranquilo – e daí que fui para Paris. Após um ano estudando, basicamente. Deu para experimentar bastante, posso garantir (risos).
Falando na preparação para viver o Alberto, qual foi o maior desafio que você enfrentou?
Cara, acho que posso dizer que, mais do que todas as viagens, ir para um outro país, enfrentar essa questão da língua, de toda a espera que houve, foi ter que gravar várias cenas num lago muito gelado! (risos) Eu vivia mergulhado, pra tentar descobrir esse personagem. A água é muito importante nessa história, né? E nos cenários que visitamos haviam muitas cachoeiras, rios. Era preciso aproveitar esse potencial, não tinha como deixar passar. Essa era uma história que ia sendo criada quase como uma toalha de retalhos, então cada elemento tinha a sua importância. O pessoal do som, da trilha sonora, da edição, todo mundo tinha a sua parte. As referências eram muitas, e todas boas, precisavam ser aproveitadas. E, quando isso acontece, qualquer sacrifício é válido.
Além do Homem tem um lado místico, nessa jornada pelo interior do país. Foi o que mais te atraiu nessa oportunidade?
Na verdade, penso que foi essa imersão, que é essa viagem pelo interior dele mesmo. A gente não sabe se ele realmente voltou para o Brasil, para ser sincero. E se tudo o que vemos no filme não passa de uma alucinação, de algo que sonhou? Ou se é o livro que está escrevendo? As possibilidades são muitas, e nada pode ser levado ao pé da letra. O que importava, em última instância, era resgatar o que a gente tem de melhor. Nós enquanto brasileiros, enquanto artistas, criadores. Só vai ser importante para o resto do mundo, quando for brasileiro mesmo. Quando tivermos alguma coisa nova para mostrar, e não apenas uma cópia de tudo que existe por aí, em qualquer lugar do mundo.
Você também está em Mulheres Alteradas, que entra em cartaz quase ao mesmo tempo. Como foi participar desse projeto?
Ah, esse foi feito depois que voltei de Paris. Quer dizer, logo em seguida, quando cheguei no Brasil, fui chamado para fazer A Terapia, do Roberto Moreira, que tem tudo para ser um grande filme. É uma história de gênero, muito interessante. Bom, e no meio disso surgiu esse outro convite. Estava filmando na Ilhabela, em São Paulo, e fui direto para Itacaré, na Bahia, emendando uma praia na outra. Não posso dizer que tenha sido ruim. Foi muito legal, aliás. Já conhecia o diretor há um tempo, e tínhamos essa ideia de trabalharmos juntos um dia. Aí deu certo, e fiquei muito feliz com o resultado. Foi um processo rápido, com pessoas que confiava e admirava. A experiência foi muito boa, poder brincar com outro tipo de humor. A sintonia com a direção, com o pessoal da produção, esse é o tipo de processo que procuro, em que todos saiam satisfeitos com aquilo que estava proposto. Sem falar que fiquei surpreso com a dinâmica que o filme tomou, além de ter sido tudo muito rápido. Do convite até ver o filme pronto foi pouco mais de um ano.
E a parceria com a Deborah Secco, como foi trabalhar com ela?
Pois é, dez anos depois. Fui irmão dela no Bruna Surfistinha (2011), e ali tivemos o primeiro contato. Mas agora estivemos ainda mais próximos, praticamente todas as minhas cenas eram com ela. Foi um verdadeiro teste de resistência, e felizmente tudo saiu muito bem. Adoro ela, a gente se dá super bem, e temos uma química muito boa. É minha amiga, antes de qualquer coisa, e é sempre melhor trabalhar com amigos, não é mesmo? No final das contas, são parcerias como essa que acabam fazendo a diferença.
Você já conhecia as histórias da Maitena?
Não conhecia, preciso dizer. Não tinha lido nada dela, mas, claro, sabia da história, que era uma oportunidade de entrar em um universo com o qual não nos deparamos com tanta frequência. Era uma boa chance de levar uma outra visão, feminina, com outro tipo de humor, com uma leveza que talvez a gente não esteja acostumado, mas que faz muita falta. A comédia, ao menos no cinema, vem sempre com essa coisa máscula, pra não dizer machista. E aqui, não. É diferente. Tem essa coisa de ser mais leve, engraçada e muito diferente do que tenho visto por aí. Virei fã da Maitena depois do filme. Não tinha como ser diferente. E foi bom ter feito parte desse filme, até por essa coisa libertária, que tem a ver com o mundo e com o tempo em que estamos vivendo. Temos que estar abertos ao novo, mudando sempre, e para melhor.
Como você espera que o público receba esses dois filmes, Além do Homem e Mulheres Alteradas?
De coração aberto, antes de qualquer coisa. Um é uma comédia diferente, não sei como definir. As mulheres é que dão as cartas, e isso é muito bom. Tem uma dinâmica nova, diferente, muito a ver com os quadrinhos – e, nesse ponto, vai de encontro com essas novas mídias, outros formatos, em que tudo é muito rápido, instantâneo. E o outro é um filme de arte, não tem muito gênero. Ele transita por vários modelos, mas não se acomoda em nenhum deles. Tem tragédia, é bastante íntimo, foca no pessoal do personagem, mas também tem momentos cômicos, personagens que são completamente fora do padrão. São filmes diferentes, histórias criativas, que acredito que irão mexer com o público tanto quanto mexeram comigo enquanto os fazia. Estou bem orgulhoso com os resultados, ainda mais por ter feito os dois com pessoas apaixonadas pelos projetos. Assim, é mais fácil você acabar colhendo um fruto muito melhor, não é mesmo?
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Rio de Janeiro em junho de 2018)
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