Embora tenha crescido em Johanesburgo como um ávido fã de ficção científica, Neill Blomkamp não era o típico “geek”. Em vez disso, o sul-africano de 33 anos descreve a si mesmo como um ex-geek-atleta. Embora seu estilo tenha se mantido oculto, a paixão pela ficção científica se manteve uma constante através de toda a sua juventude e o seguiu quando seus pais emigraram para Vancouver, Canadá, quando tinha 18 anos. Ele, então, veio a público em 2009, quando o seu primeiro longa-metragem — a ficção científica ambientada na Terra, Distrito 9 — faturou mais de US$ 200 milhões de dólares nas bilheterias internacionais e arrebatou quatro indicações ao Oscar, incluindo as de Melhor Filme e Melhor Roteiro.

Atualmente, ex-geek-atleta é um roteirista e diretor de renome que está de volta em Elysium, seu mais novo lançamento — que é outro filme de ficção científica, embora, desta vez, o seu escopo seja ainda mais ambicioso do que o primeiro. Elysium é estrelado por Matt Damon e Jodie Foster como duas forças antagônicas, cada um batalhando por aquilo em que acredita, além de contar com as participações do mexicano Diego Luna e dos brasileiros Wagner Moura e Alice Braga. O filme é passado no ano 2154, quando a população se divide em grupos de dois tipos. Há os muito ricos, que vivem numa paradisíaca estação espacial construída pelo homem, Elysium, e há o resto, pessoas abandonadas à própria sorte, lutando por uma sobrevivência precária no nosso planeta superpopulado e exaurido de recursos. Foi sobre esse mais recente trabalho que o cineasta deu essa entrevista, publicada no Brasil com exclusividade pelo Papo de Cinema. Confira!

 

Há alguma correlação temática entre Elysium e Distrito 9?
Não me propus a fazer nada que tivesse os mesmos temas do meu trabalho anterior. Elysium fala sobre ricos e pobres e a desigualdade social que existem entre eles nesse futuro hipotético. Claro que guarda semelhanças com Distrito 9, mas com há algumas diferenças fundamentais. Neste filme, não se discutem questões raciais, nem de xenofobia.

Wagner Moura, Diego Luna, Alice Braga, Sharlto Copley, Neill Blomkamp e Matt Damon

Então, o filme não tem nenhuma mensagem?
O modo como encaro o filme é que ele é um modo diferente de se olhar a vida na Terra no ano de 2013. Então, é assim: esse é um retrato dos tempos atuais. Há pobreza em massa, os ricos parecem mandar na situação, e não há uma saída, uma solução. Ninguém sabe como solucionar os problemas que a Terra enfrenta hoje. Se não há como resolvê-los, então, você não tem uma mensagem e você está apenas dizendo que este é um modo diferente de se encarar a atualidade.

 

Como você abordou a ação e a violência em Elysium?
Os filmes que gosto — sejam os de ficção científica da década de 1980, ou de ação da década de 1970 — tendem a ser bastante violentos. Por exemplo, alguns dos meus prediletos são do Paul Verhoeven, como RoboCop (1987). Adoro a sátira contida neste filme. Mas, nele, definitivamente não há um conceito da violência como uma solução nem como uma mensagem. Não há nada disso. É apenas “violência-pipoca”, coisas explodindo, tiroteios e esse tipo de coisa.

 

Por que você acha que filmes de ficção científica costumam apresentar uma versão tão sombria do futuro?
Eu não posso falar pelas outras pessoas que fazem esses filmes. Para mim, a versão do futuro que apresento é sombria. Como não é boa, estou apenas fazendo algo que verbaliza essa minha visão de para onde estamos nos encaminhando. Acho que, se pessoas estão fazendo longas que têm um ponto de vista “distópico” semelhante, deve ser porque eles provavelmente pensam a mesma coisa, mas não tenho certeza.

Parece que muitos blockbusters de ação e ficção científica são baseados numa franquia, embora esse não seja o caso de Elysium
Uma coisa devo dizer, com relação ao resto de Hollywood, é que sou muito desligado. Simplesmente trabalho nos meus projetos e não sei o que estão pensando nem o que estão fazendo. Mas com relação a Elysium, não foi tão difícil de ser feito, porque o financiador acreditava nele. Eu lhe dei um tratamento do que achava que seria o filme, e gostaram muito. Quando chegou à Sony, eles realmente acreditaram em mim. Tive muita sorte.

 

Você era uma espécie de geek de ficção científica quando garoto?
Adoro a ideia de ter crescido sendo um geek. Acho que muitos dos meus amigos nem sabiam que eu era um geek, o que é bem curioso. Era louco por esportes quando garoto. Então, era um tipo de geek-atleta. Mas esse meu lado ficava escondido. Um pequeno grupo dos meus melhores amigos sabia que curtia esse tipo de coisa, mas os amigos menos chegados realmente não faziam a menor ideia. Eles simplesmente não sabiam. E foi bem interessante conversar com eles sobre isso quando os encontrei por acaso na África do Sul, recentemente. Todas as coisas, as festas que não pude ir porque estava fazendo meus filmes caseiros malucos ou algo parecido, simplesmente não faziam a menor ideia. Eu era secretamente um geek. E gosto disso.

 

O papel que Jodie Foster interpreta em Elysium não foi escrito originalmente para uma mulher, certo?
Certo. Mas, de repente, uma noite, acordei e pensei: “Se a personagem fosse uma mulher, seria bem mais interessante”. E aí passei a analisar uma lista de quem poderia interpretá-la, e quando me ocorreu o nome da Jodie, pensei que era a pessoa mais legal que poderia interpretar esse papel, isto é, se é que ela se interessaria. Nós conversamos, ela demonstrou interesse e decidiu participar. Não foi preciso um grande esforço. Tudo aconteceu muito naturalmente. Ela também foi uma das pessoas mais profissionais, legais e com quem foi mais fácil de se trabalhar. É extremamente talentosa e é muito profissional. Chegava ao set pontualmente na hora marcada, fazia exatamente o que lhe pedíamos que fizesse, sem problema, tudo muito legal. Contudo, chegou atrasada ao nosso primeiro encontro. Depois ficou se desculpando profundamente, o tempo todo, e me disse que nunca tinha se atrasado na vida. Pensei, “Hmmm”, mas depois, no set, como nunca se atrasava, acredito nela agora!

Jodie Foster, Matt Damon e Neill Blomkamp

Você escalou deliberadamente muitos atores latino-americanos…
O filme é ambientado no futuro, numa América do Norte partida, então queria transmitir uma ideia de que poderia haver uma migração das Américas. Poderíamos ter um movimento migratório da América Latina rumo à América do Norte — quase como se as fronteiras tivessem sido eliminadas. E quando comecei a analisar atores para o elenco, havia alguns mexicanos e brasileiros de quem gostava. O Wagner Moura, de Tropa de Elite (2007) — era absurdamente bom. Já gostava dele enquanto ator, e depois a Alice Braga simplesmente se encaixou perfeitamente no papel. Conheci os dois e gostei muito de ambos, além de amar o som do português brasileiro. Acho que isso não é relevante, mas me soa realmente muito legal. Uma coisa que me agradou é que eles compreendem o filme, tematicamente, porque vêm de países que vivem esse tema. O mesmo também ocorre com o Diego Luna, que vem do México, e com o Sharlto, que é da África do Sul. São países únicos, onde há uma extrema desigualdade de renda, e isso é importante para a compreensão do nosso discurso. Creio que veremos isso ficar cada vez pior. Não importa o quanto tentemos mudar essa situação, isso parece simplesmente ser parte da natureza humana.

 

Foi difícil conseguir permissão para filmar naquele aterro sanitário na Cidade do México?
Não foi difícil. Foi mais ou menos assim: “Nós podemos filmar no aterro sanitário?”. Ao que nos responderam: “Sim, podem”. A parte difícil foi lidar com os sindicatos canadenses, porque cerca de 50% da equipe técnica era composta por pessoas do Canadá, e também havia um bando de americanos. E quando há tantos sindicatos envolvidos, é preciso fazer testes toxicológicos no solo e exames bacterianos. Eles não queriam nenhum integrante dos seus sindicatos envolvidos em riscos de contaminação bacteriana. Quando realizaram os testes, os resultados que obtiveram foram péssimos. Então tivemos de trazer terra cenográfica e cobrir toda a área com a nossa terra, mas a aparência no filme é idêntica. Você consegue filmar no México a maior parte das cenas que você quer rodar. Essa parte é factível.

 

O que o motivou a buscar essas locações foi o desejo de evitar o máximo possível o uso de telas de fundo verde?
Sem dúvida. Filmar usando uma tela de fundo verde é terrível. É horrível. Venho do mundo dos efeitos visuais, e a pior coisa que você pode fazer é filmar um ator contra uma tela de fundo verde. O resultado é simplesmente horrível. Você quer obter mais realismo e tentar chegar o mais próximo possível da verdade do ator. Este filme tem muitos personagens-robôs. A versão antiga disso é usar um cara falando com uma bola de tênis ou com uma vara de pesca contendo alguma coisa pendurada na ponta, o que não é nada bom. Então, uma opção melhor é usar outro ator interpretando o robô e, posteriormente, você apaga o ator e o substitui. Nós tentamos fazer com que tudo parecesse o mais próximo do normal possível. Buscamos, especificamente, algumas das piores áreas da Cidade do México para as nossas filmagens e nos mantivemos propositalmente afastados das áreas mais bonitas da cidade.

Neill Blomkamp e Matt Damon no set de Elysium

Quantas tomadas de computação gráfica há no filme?
Menos do que muita gente imagina. Um pouco menos de 900.

 

Quantas semanas vocês rodaram no México e em Vancouver?
O total foi dividido mais ou menos meio a meio ao longo de 90 dias de filmagens.

 

Você fez um enorme trabalho de preparação visual para o filme, certo?
Eu já tinha feito muito trabalho com a arte e muita preparação visual para poder mostrar para as pessoas o que tinha em mente. Se você faz isso e tem bons argumentos, ou um bom posicionamento sobre por que isso é uma boa ideia, e se você puder se apoiar em imagens e conceitos concretos, as pessoas vão concordar. Isso se aplicou à filmagem no aterro sanitário. O Matt Damon foi muito profissional, mas o trabalho não foi fácil. Quando se chega de carro àquele lixão, antes do nascer do sol, o cheiro é horrível; alguma coisa acontece quando o sol nasce que faz com que essa camada de umidade dos esgotos se dissipe.

O que lhe serviu de inspiração para o mundo que você criou em Elysium?
Tudo o que influenciou essas imagens é subconsciente. As únicas decisões conscientes foram: quero fazer uma estação espacial, estamos 150 anos no futuro e, na Terra, tudo está dilapidado. Todos os seus recursos foram explorados e exauridos, e o planeta se parece com as regiões mais miseráveis da África nos dias de hoje. Então, passo a projetar a Terra do futuro e projeto Elysium. E tudo nesses dois lugares precisa ser o mais real e verossímil possível para o espectador. A influência que me inspira é a realidade. Quero construir a estação espacial, e a exemplo de qualquer estrutura, se você não puder me mostrar referências daquilo no qual ela se baseia, isso significa que veio da mente do artista — o que significa que é errado, porque vai parecer algum lixo de ficção científica. Se você puder me mostrar algo como a represa do rio Yangtze ou outro megaprojeto de engenharia, aí vou acreditar. Não sei se isso responde à sua pergunta, mas qualquer influência subconsciente de outros cineastas ou outros artistas que existirem nele, foram inconscientes. O que foi consciente foi o realismo puro em todas as instâncias.

 

(Entrevista cedida com exclusividade para o Papo de Cinema pela Sony Pictures do Brasil)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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