Halder Gomes, Marco Nanini, Lázaro Ramos, Glória Pires e Matheus Nachtergaele são apenas alguns dos muitos já homenageados com o Troféu Eusélio Oliveira, a honraria máxima do Cine Ceará: Festival Ibero-Americano de Cinema. E em 2022 o grande nome a ser celebrado foi o de Camila Pitanga. Após ter estreado na tela grande com apenas sete anos como uma figurante no clássico Quilombo (1984), de Cacá Diegues, desde então apareceu em mais de uma dezena de filmes, tendo recebido prêmios como o Guarani, APCA e nos festivais do Rio, Los Angeles e Amazonas, entre outros. Aproveitando a ocasião, o Papo de Cinema, que está em Fortaleza acompanhando de perto os destaques do evento cearense, bateu um papo exclusivo com a atriz, que lembrou da sua forte relação com o Ceará, seus grandes momentos na tela grande e a importância de fazer parte de uma família de artistas celebrada por todo o país. Confira!

 

Nesse momento de desmonte na cultura nacional, qualquer reconhecimento é motivo de felicidade. Como você recebeu esse “chamado” e carinho do Cine Ceará?
Adorei como você colocou: chamado. É o que sinto, um chamado do povo do Ceará, que fez a melhor escolha no primeiro turno das eleições presidenciais – e o Nordeste como um todo. Ser reconhecida aqui tem um sabor especial, pois tenho ótimas experiências nessa terra. Quando vim com a peça O Duelo, foi muito forte, uma imersão, uma troca profunda desse grupo criativo que foi de mala e cuia para três cidades do interior cearense. Ficamos quinze dias em cada cidade, começando por Arneiroz, depois Lavras da Mangabeira, e como última localidade do sertão, Iracema. Só depois é que viemos para Fortaleza, para mais duas semanas de ensaios, e depois três semanas de temporada. Fomos bem recebidos, com uma escuta grande. Tem a ver com o que a gente acredita como possibilidade de crescimento, de processo criativo. Entender que a gente tem que sair do eixo Rio-São Paulo, há uma potência a se descortinada nesse país. Pessoas, culturas, saberes, sabores, gentes. Voltamos cheios. Depois, mais incrível ainda, e falo isso com gosto, viemos com o espetáculo do mesmo jeito que apresentamos em Avignon. Com o circo armado. A generosidade do olhar sertanejo sobre o nosso trabalho. Então, vir para cá, ser reconhecido depois de toda essa experiência, e fazendo pontes. É um festival ibero-americano, podemos ser gigantes.

Você mencionou ter feito menos cinema do que gostaria. Seu último trabalho foi Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (2011), há mais de dez anos. Quais as razões para esse afastamento?
Não é por falta de querer, isso posso afirmar. Sendo filha de quem eu sou, meus critérios, do meu entendimento do que é cinema, estão no campo da experimentação e do que dizer. Pra mim, não dá pra entender só como puro negócio. No que tange emprestar minha alma, meu corpo, minha voz, preciso que seja, de alguma maneira, coadunando com algo que queira dizer. Tem que ser uma personagem que me dê possibilidades de esgaçar os meus limites. Que foi o caso do Eu receberia… Tinham ali muitas questões, falar da Amazônia já era urgente naquela hora, e hoje mais do que nunca. Torna o filme ainda mais imprescindível. Faz um entrelaçamento entre as chagas da Amazônia e de uma mulher cindida. A subjetividade, que de fato a gente acompanha, por mais que o protagonista seja o Cauby, personagem do Gustavo Machado, tal qual como era no livro do Marçal Aquino, mas o roteiro está interessado nos problemas da Lavínia e nessa ebulição, múltiplas crises, personalidades e jeitos de ser que aparecem no filme.

 

Também imagino a dificuldade de encontrar algo à altura do que foi esse trabalho, um verdadeiro divisor de águas na tua carreira.
Nem tenho essa coisa de “tamanho de personagem”. Isso, pra mim, é bobagem. Depende do argumento, das pessoas com quem você irá trabalhar. Veja, por exemplo, a série que fiz, Aruanas (2019-2021). Na primeira temporada, a minha participação é extremamente cirúrgica. Mas tá ali, ainda que não fosse uma das ‘aruanas’. Representava uma parte do jogo que pudesse explicar como funciona esse desmonte, de destruição da Amazônia e dos seus mecanismos de defesa. A minha advogada fazia a ponte entre o campo institucional, que é quem tem a caneta, e os interesses de agentes externos, e até da má política. A subjetividade dela não era o motor da história, ainda que fosse fundamental como o contraponto das aruanas. Não me interessa o tamanho, mas o que aquilo pode simbolizar e o que agrega. Já na segunda temporada, acho que fiz meu trabalho direitinho (risos), e aí escreveram dando chance a descortinar o que essa mulher tem dentro dela. O que a move.

Ao mencionar teus principais trabalhos no cinema, todo mundo lembra da Silene, do Saneamento Básico, O Filme (2007). Assim como ela, quais os personagens pelos quais você nutre maior carinho?
Fico imaginando como seria Silene Seagal agora. Para onde teria ido? Acho que seria uma influencer que votaria no Lula. Com toda a loucurinha dela, um tanto errática, tem seus valores. Ninguém é filha do Paulo José à toa. Você lembrou bem, dos filmes que fiz, a personagem mais citada é a Silene – de cinema, claro, pois das novelas é a Bebel, de Paraíso Tropical (2007), indiscutivelmente. A Silene está viva até hoje no imaginário popular, é a que mais vejo reeditarem em vídeos, memes na internet, citações de frases. É um filme que volta e meia é reexibido na televisão, as pessoas falam. Envelheceu bem, ou nem envelheceu. Tem essa comunhão do entretenimento, da comédia, da leveza, sem perder a crítica, a seriedade, essa questão das leis, da união. Mais do que os caminhos, mas como você pode ser verde em uma atividade e ser tomado por aquela arte. Começam erráticos, mas vai virando uma paixão até tomar conta deles. O problema é que acabam largando mão de fazer a fossa (risos).

 

Vamos falar sobre esse boom dos Pitangas? Você sendo homenageada, teu pai, o grande Antônio Pitanga, esteve em nada menos do que em 5 filmes só nesse ano, o Rocco Pitanga, teu irmão, também está enfileirando um trabalho atrás do outro…
Tá uma loucura! Meu pai tá fazendo televisão, ano passado esteve em novela, o tempo todo é solicitado. Esse último filme dele como protagonista, Casa de Antiguidades (2020), acho bárbaro. Ele tá brilhante. Adorei, é impressionante. Ele tá um monstro, irreconhecível, num outro registro de ator. O trabalho dele tem um frescor, uma ousadia e uma coragem como há muito não se via. Isso que adoramos nele, essa luz que dele emana, foi toda retirada, é algo completamente seco. Um olhar turvo, com angústia, com um perigo no olhar. Ficamos esperando pela explosão que irá vir daquele homem.

 

É um momento maravilhoso para a família Pitanga.
Meu pai retomou a peça com meu irmão, na qual faço uma participação afetiva, Embarque Imediato, que é um sucesso. Passou por tudo que é lugar e ainda está circulando. Um trabalho que me dá muita satisfação, pois é também mais um laço de amizade que tenho com o Aldri Anunciação, o autor da peça. Nós fomos colegas de faculdade, tem uma coisa bem familiar, mesmo. Meu pai tem 83 anos, mas é mais jovem do que todos nós. A gente é que tem que correr para acompanhar o seu Pitanga!

E no cinema, já pensaram em ter um trabalho de vocês todos juntos?
Tanto pensamos, que temos. Começamos a rodar Malês, ainda no ano passado. A primeira parte, em Maricá, foi toda filmada, e no ano que vem faremos a última parte, em Salvador. Sobre a Revolta dos Malês, meu pai como diretor, meu irmão faz o protagonista, e eu sou uma das antagonistas. É um grande elenco, bárbaro mesmo. É isso, já estamos realizando. Isso vai acontecer!

Entrevista feita ao vivo em Fortaleza, no 32º Cine Ceará, em outubro de 2022

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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