9 jan

In Memoriam :: Humphrey Bogart (1899-1957)

Cínico, durão, misterioso, insensível… ou apaixonado e fiel além da conta! Muitas são as alcunhas através das quais Humphrey DeForest Bogart ficou conhecido mundialmente. Mas poucas são mais fortes do que o olhar penetrante, surgido debaixo de um chapéu levemente caído para o lado e sem muitos sorrisos. Do detetive investigativo de Relíquia Macabra (1941) ao espião apaixonado de Casablanca (1942), do explorador atrás d’O Tesouro de Sierra Madre (1948) ao capitão de Uma Aventura na África (1951), muitas foram as imagens que o eternizaram na tela grande. Nascido numa noite de Natal, no dia 25 de Dezembro de 1899 na cidade de Nova York, o astro faleceu com apenas cinquenta e sete anos em 14 de Janeiro de 1957, em Los Angeles. E ali, como poucos outros, deixava eternizado para sempre sua marca no universo cinematográfico.

Eleito o maior ator de todos os tempos pelo American Film Institute, Bogie – um dos seus apelidos mais afáveis – era um homem de muitas paixões. Filho de Belmont Bogart – um bem-sucedido cirurgião – e Maud Humphrey – uma famosa ilustradora de revistas – ele estudou na Escola Trinity, em Nova York, e na adolescência foi enviado para a Academia Phillips, em Massachusetts, para se preparar para a Escola de Medicina de Yale. O que aconteceu, no entanto, é que seu espírito rebelde se manifestou muito cedo, levando-o a ser expulso do colégio e tendo que se alistar na Marinha norte-americana. Entre 1920 e 1922, conseguiu um emprego em uma companhia teatral, fazendo os mais diversos trabalhos – até se aventurar pela primeira vez nos palcos.

Nem tudo seria tão fácil, no entanto. Seu primeiro contrato surgiria anos depois, em 1930, com os Estúdios Fox. Após mais cinco anos de pequenos papéis e experiências em peças de teatro, teve finalmente uma oportunidade de respeito nas telas em A Floresta Petrificada (1936), da Warner, após o colega Leslie Howard pressionar o estúdio – afinal, os dois haviam atuado juntos na versão teatral da mesma história e eram bons amigos. As coisas começaram a mudar rapidamente, e em 1940 – com apenas dez anos de carreira – já contava com quase trinta títulos no currículo! Faltavam, no entanto, os papéis que definiriam sua fama. E estes surgiram logo no início da nova década.

Aproveitando uma série de oportunidades rejeitadas por George Raft (ator que hoje quase ninguém lembra), Bogie começou a se destacar de fato por dois filmes feitos em 1941: Seu Último Refúgio, de Raoul Walsh, um impressionante sucesso de público, e como o detetive Sam Spade em Relíquia Macabra (O Falcão Maltês), de John Huston, aclamado pela crítica. Outro clássico surgiria no ano seguinte: Casablanca (1942), filme que enfrentou diversos problemas durante sua produção – ele e a atriz Ingrid Bergman tiveram vários desentendimentos, o roteiro era refeito quase todos os dias, cenários foram improvisados e orçamentos estouraram as previsões – mas acabou ganhando três Oscars, inclusive o de Melhor Filme – além de ter sido sua primeira indicação como Melhor Ator – e ficando marcando para sempre na memória e nas lembranças de milhares de cinéfilos e admiradores de todo o mundo.

Apelidado de “O Último Homem do Século” (por ter nascido nos dias finais de 1899), Bogart, apesar da educação errática, era um homem letrado e apaixonado pelas artes. Afirmava que a única maneira de escolher, de fato, o ‘melhor ator’ (como no Oscar, por exemplo) era colocando “todos para interpretar Hamlet, e só assim teríamos uma ideia de quem se sairia melhor”. Sua paixão por Shakespeare ia além, e certa vez, ao visitar o set de Uma Rua Chamada Pecado (1951), ficou tão impressionado com o desempenho de Marlon Brando que teria afirmado: “este rapaz logo estará interpretando Hamlet, enquanto que o resto de nós terá que vender batatas para sobreviver”! Qual não foi sua surpresa quando ganhou seu primeiro – e único – Oscar como Melhor Ator no ano seguinte, por Uma Aventura na África, derrotando justamente… Marlon Brando!

Ao longo de sua vida foi casado quatro vezes, e sempre com atrizes: Helen Menken (1926-1927), Mary Philips (1928-1938), Mayo Methot (1938-1945) e, finalmente, Lauren Bacall (1945-1957). Bacall foi seu grande amor, a melhor parceira nas telas e na vida, e os dois ficaram juntos até sua morte. Ela foi também a mãe dos dois únicos filhos dele: Stephen e Leslie. Membro original do Rat Pack de Frank Sinatra (o apelido foi criado pela própria Bacall), amigo pessoal de Marilyn Monroe, Judy Garland, Clark Gable, Bette Davis, Katherine Hepburn, Sammy Davis Jr, Peter Ustinov, Kirk Douglas, Dean Martin e John Huston, entre outros, era um bebedor contumaz e um fumante inveterado. Após alguns meses lutando contra um câncer na garganta que teria acabado com uma das suas marcas registradas – a voz profunda e hipnotizante – Humphrey Bogart faleceu em sua cama, no início de 1957.

Seu tempo vivo pode ter sido curto, mas foi muito bem aproveitado: sua filmografia completa conta com impressionantes 85 títulos, e além do Oscar, foi ainda indicado ao Bafta (o Oscar inglês) e premiado pelos críticos de Nova York em mais de uma ocasião. Sua estrela na Calçada da Fama, em Hollywood, no entanto, só lhe foi dedicada três anos após sua morte, no dia 8 de fevereiro de 1960, e hoje se encontra no número 6322 da Hollywood Boulevard. Uma pequena lembrança de um artista inesquecível.

Filme imprescindível: Casablanca (1942), um dos maiores clássicos de todos os tempos;

Primeiro filme: Depois de dois curtas, foi convidado para um papel coadjuvante em Up The River (1930), comédia estrelada por Spencer Tracy;

Último filme: A Trágica Farsa (1956), exibido no Festival de Cannes e indicado ao Oscar na categoria de Melhor Fotografia, ainda contava com o astro como protagonista;

Seu filme favorito: No Silêncio da Noite (1950), no qual interpretava Dixon ‘Dix’ Steele, o personagem que considerava mais parecido com a sua própria personalidade;

Guilty pleasure: Sabrina (1954), em que fez par romântico com Audrey Hepburn, apesar da diferença de mais de 30 anos entre os dois;

Papel perdido: Era a primeira opção do produtor Hal B. Wallis para estrelar ao lado de Burt Lancaster o faroeste Sem Lei e Sem Alma (1957). No entanto, como já estava doente na época, o papel acabou ficando com Kirk Douglas;

Oscar: Foi indicado três vezes, a primeira por Casablanca (1942) e a última por A Nave da Revolta (1954). Ganhou, no entanto, por Uma Aventura na África (1951);

Frases inesquecíveis:O problema com o mundo é que ele está sempre um drinque atrasado”; “A única coisa que devemos ao público é uma boa performance”; “Atuar é como sexo: ou você faz e fica quieto a respeito, ou você fala bastante e nunca pratica. É por isso que sempre desconfiei de quem fala muito sobre qualquer um dos dois”.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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