23 ago

Altos e baixos do 40° Festival de Gramado

Os cobiçados troféus do Festival de Gramado / Foto: Edison Vara

Perguntado sobre a importância de receber o Kikito de Cristal, prêmio concedido aos expoentes do cinema latino-americano, Juan José Campanella, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por O Segredo dos seus Olhos (2009), afirmou tratar-se de um momento único, especialmente vindo do mais importante festival da América Latina. Este é o Festival de Cinema de Gramado.

Atores do filme "Colegas" ganharam o Prêmio Especial do Júri / Foto Edison Vara

O mesmo evento que, três meses antes, envolto pelos boatos de dívidas inconciliáveis e com as contas sob a intervenção do Ministério Público, parecia encaminhar-se para a primeira interrupção desde o seu início. Sem poder captar recursos, esta seria uma parada – ou o fim – ironicamente trágica para um evento cultural que resistiu bravamente aos momentos mais delicados da ditadura, mas que se prostraria pelo despreparo dos gestores públicos justamente na edição comemorativa de seus quarenta anos. Por vezes, a história supera a realidade. A vontade dos organizadores e dos amantes de cinema ultrapassou a inviabilidade fria dos números e o festival aconteceu, mas não sem uma remodelagem. Feito às pressas, com menos dinheiro e tateando quanto a algumas decisões, a organização buscou as melhores soluções dentro do possível.

"Colegas" ganhou o kikito de Melhor Filme na Mostra Nacional / Foto Edison Vara

O tapete vermelho, espaço tradicional para o desfile de incontáveis artistas, teve de se acostumar a outros passos, menos glamourosos, sem dúvida, mas mais interessados na sala escura. A reforma na estrutura interna do Palácio e o preço acessível dos ingressos incentivaram o público a comparecer. Não há prestígio maior para um cineasta do que ver as poltronas lotadas. Quanto a isso, o Festival precisa definir urgentemente o seu foco. Se for às ruas conversar com as pessoas, moradores ou turistas, terá a sensação de que o evento acontece desconectado da vida local. Todos percebem a movimentação na rua coberta, mas poucos sabem quais são os filmes em competição ou, ao menos, até quando dura o evento. A sensação é de que há um estranho respeitado perambulando entre os cidadãos. Talvez seja a ocasião de aproveitar o momento de vacas magras e pensar em um Festival que envolva a comunidade, para que o “de” seja uma preposição de posse e não apenas de procedência.

Kleber Mendonça Filho, por "O Som ao Redor", recebeu de Arnaldo Jabor o kikito de Melhor Diretor / Foto Edison Vara

A curadoria do Festival, composta de José Wilker, Rubens Ewald Filho e Marcos Santuário, surpreendeu ao articular-se de forma competente, apesar do pouco tempo disponível. Com cinco títulos, duas ficções e três documentários, a seleção latina se mostrou irregular e problemática. Por um lado, poderia ter contemplado um número maior de cinematografias e diretores expressivos. Por outro, a concentração no gênero documental prejudicou a premiação, como na decisão de júri de não apontar Melhor atriz pela falta de candidata. Depois de muitos anos, a competição de longas nacionais superou a latina em qualidade. Os oito filmes exibidos no Palácio dos Festivais abrangeram temas e linguagens variadas: do documentário musical Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now ao drama lírico O Que Se Move, passando pela aventura de Colegas. O alto nível da disputa levou a indefinição dos vencedores de cada categoria até o último momento.

O Palácio dos Festivais, em Gramado / Foto Cleiton Thiele

Após o resultado final, algumas ressalvas. O Som ao Redor deveria ter saído como vencedor, pois é o filme mais sofisticado e completo. Colegas, porém, de longe o preferido do público, não faz feio ao levar o prêmio principal. Algo está muito errado quando o Prêmio da Crítica e o Prêmio do Júri Popular coincidem. No caso de Gramado já se sabe: o júri popular não é popular, mas formado por uma comissão de cinéfilos dos veículos de imprensa de todo o país. Ainda excessiva foi a premiação de Jorge Mautner: O Filho do Holocausto. O documentário apenas competente levou os prêmios de montagem, fotografia e – de forma absurda – o de roteiro.

Os grandes astros da noite de premiação / Foto Edison Vara

No longa brasileiro Super Nada, o personagem de Jair Rodrigues traz à tela o bordão “não tá fácil pra ninguém”. Despido do traço cômico, a expressão poderia servir como mote para a epopeia de ressuscitar um gigante adormecido e transformá-lo, com êxito, na 40ª edição do Festival de Cinema de Gramado.

Cesar Charlone comemora a vitória de "Artigas" na Mostra Latina / Foto Edison Vara

Longas-metragens latino-americanos

Melhor filme: Artigas: La Redota, de Cesar Charlone (Uruguai)

Melhor direção: Cesar Charlone, por Artigas: La Redota (Uruguai)

Melhor ator: Jorge Esmoris, por Artigas: La Redota (Uruguai)

Melhor atriz: não foi entregue pelo júri

Prêmio da crítica: Artigas: La Redota, de Cesar Charlone (Uruguai)

Prêmio do júri popular: Artigas: La Redota, de Cesar Charlone (Uruguai)

Melhor roteiro: Vinci, de Eduardo del Llano Rodríguez (Cuba)

Melhor fotografia: Leontina, de Boris Peters (Chile)

Menções honrosas: direção de arte de Artigas: La Redota, trilha sonora de Artigas: La Redota e trilha sonora de Vinci 

Todos os premiados de 2012 / Foto Edison Vara

Longas-metragens brasileiros

Melhor filme: Colegas, de Marcelo Galvão

Melhor direção: Kleber Mendonça Filho, por O Som ao Redor

Melhor ator: Marat Descartes, por Super Nada, de Rubens Rewald

Melhor atriz: Fernanda Vianna, por O que se move, de Caetano Gotardo

Prêmio especial do júri: Ariel Goldenberg, Breno Viola e Rita Pokk, protagonistas de Colegas, de Marcelo Galvão

Prêmio da crítica: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho

Prêmio do júri popular: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho

Melhor roteiro: Jorge Mautner: O Filho do Holocausto, de Heitor D’Alincourt e Pedro Bial

Melhor fotografia: Jorge Mautner: O Filho do Holocausto, de Heitor D’Alincourt e Pedro Bial

Melhor montagem: Jorge Mautner: O Filho do Holocausto, de Heitor D’Alincourt e Pedro Bial

Melhor direção de arte: Colegas, de Marcelo Galvão

Melhor som: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho

Melhor trilha sonora: Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now, de Ninho Moraes e Francisco César Filho

Willian Silveira

é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.

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