Crítica

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A nova série de TV Westworld (2016) levantou o pó que cobria o filme de 1973, escrito e dirigido por Michael Crichton, roteirista de gosto duvidoso responsável por Coma (1978) e Jurassic Park (1993). Flertando com a techno trash fiction, o cineasta é capaz de criar microcosmos para pensar como se estabelecem as novas relações entre humanos e deles com o mundo no qual estão inseridos. Com Westworld: Onde Ninguém Tem Alma, Crichton apresenta um parque de diversões inspirado no velho oeste e habitado por robôs. O local é destinado a humanos livres para interagir como quiserem com autômatos programados apenas para servir.

Neste playground retrofuturista, o cliente vive um dia pré-definido como se fosse 1880. Pagando caro é possível passar o tempo entre saloons, bordéis, cavalgadas e tiroteios, tendo prazer com álcool, sexo e morte. Armas e mulheres estão à disposição para duelos entre homens e androides – que, criados à sua imagem e semelhança, despertam amor, ódio e dúvida entre os humanos. Perfeitos em sua representação antropomórfica, capazes de falar, respirar e sangrar, robôs geram suspeita quanto a real natureza de quem quer que seja dentro do parque. “Como saber se matei um humano?”, questiona um personagem? “Pouco importa”, responde outro.

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Quando um vírus de computador compromete o sistema dos androides tem início um contra-ataque sangrento, colocando em risco a vida dos visitantes. Crichton aponta que, na busca por satisfação máxima em um ambiente onde tudo é permitido, as condutas dos homens revelam o grau de desumanidade que pode haver em cada um. Ao mesmo tempo, o parque imaginado pelo cineasta descreve o quanto autômatos programados por humanos tendem a se parecer com a nossa espécie não apenas em aparência, mas em conduta, estilo de vida e predisposição à violência.

O tema e a premissa do filme são interessantes, porém o roteiro é mal elaborado. Sem ritmo e com clímax esvaziado de tensão e energia, a trama se perde ao propor muitos espaços de ação e pouca articulação entre eles. Além do velho oeste, o parque tem ambientes temáticos sobre Roma Antiga e Idade Média, com importância nenhuma para a história do filme. Apenas quebram a narrativa e o desenvolvimento dos personagens e das questões que realmente importamJá a linguagem audiovisual setentista e a tecnologia analógica que marca a direção de arte se salvam como relíquias da ficção científica cinematográfica.

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Se comparado à série de TV assinada por Jonathan Nolan e Lisa Joy, o filme se torna ainda mais discreto. Na versão atual, naturalmente mais ampla do que o longa, a pane viral dos robôs fica de lado. Os autores sugerem o desenvolvimento de fragmentos de emoções, lembranças, sonhos e abstrações entre os autômatos. Com isso, Nolan e Joy enriquecem a narrativa com repetições cíclicas comuns à própria programação diária do parque intercaladas a pequenas e importantes modificações narrativas por parte dos androides, que começam a desenvolver consciência, modificar hábitos e desenhar uma revolta. Criatividade de roteiro semelhante Crichton não conseguiria ter nem em sonhos de silício.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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