Crítica

Produção escolhida para representar a Argentina na disputa por uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, Wakolda parte de um tema que costuma encontrar ressonância entre os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: a Segunda Guerra Mundial. Porém, da mesma forma como faz o representante alemão nesta mesma disputa (o superior Duas Vidas, 2013), a ação é pós-conflito, desenvolvendo um estudo sobre as consequências do embate bélico que envolveu tantas nações antes da metade do século XX. Sai-se, no entanto, das trincheiras europeias e espalha-se pelos países mais distantes, analisando a intensidade dos reflexos posteriores deste episódio nos pontos mais inesperados – no caso, próximo, literalmente, ao fim do mundo.

Eva (Natalia Oreiro, de Infância Clandestina, 2012) e Enzo (Ricardo Peretti, de Quem disse que é fácil?, 2007) estão decididos a recomeçarem suas vidas. Os encontramos pela primeira vez acompanhados dos três filhos, rumo à Patagônia. Lá, mais precisamente em Bariloche, irão assumir o antigo hotel da família e reabri-lo para novos hóspedes. O que não esperavam, no entanto, é que ao pararem para abastecer o carro se deparariam com um misterioso estrangeiro, que afirma estar indo para o mesmo destino e solicita uma orientação. O mais fácil para todos é que ele simplesmente os siga. E assim, como em um comboio, partem rumo ao sul argentino.

A este doutor de origem alemã quem primeiro lhe dá ouvidos é a filha do casal, a menina do meio. Logo ele descobre se tratar de uma criança de nascimento prematuro, o que justifica ser menor em tamanho e estrutura do que sua idade acusaria. O interesse que esse fato lhe desperta, imediatamente percebe-se, vai além da mera curiosidade. A isso soma-se uma atenção redobrada que ele tem na mãe desta família, grávida de oito meses de gêmeos. Sempre com muita discrição, ele anota cada palavra, reflexão ou pensamento em sua caderneta. Este conteúdo, no entanto, não é mantido em segredo ao espectador, que se coloca a par destes dados graças à narração da menina, que revela os fatos em retrospecto. E por isso entendemos que a desconfiança inicial do pai, que aos poucos vai aumentando, possui uma justificativa – mesmo que ainda desconhecida – assustadora.

Wakolda é também o nome da boneca que a menina carrega e que é motivo de hobby de Enzo, que sonha em abrir uma fábrica de brinquedos. Essa atividade motiva o doutor alemão a investir no projeto, patrocinando a iniciativa paterna. O resultado, assim que tomamos conhecimento, é tão terrível quanto verdadeiro: uma legião de bebês articulados, loiros e de olhos azuis. Ou seja, arianos. A dúvida que pairava até este instante para muitos se desfaz: o convidado cheio de segredos nada mais é do que Josef Mengele, o médico nazista conhecido como Doutor da Morte, refugiado dos aliados e que escolheu esta região erma para se esconder. As anotações que ele fazia a respeito da criança, dos recém nascidos e de todos mais a seu redor eram mais que simples observações, e sim orientações que deveriam servir para possibilitar uma continuidade aos terríveis experimentos feitos nos campos de concentração com seres humanos em busca de uma perfeição maldosa e corrompida.

A despeito de ter sua base narrativa em fatos verídicos – Mengele realmente passou anos circulando entre os países da América do Sul, até ser morto por afogamento em uma praia de São Paulo, no Brasil – Wakolda chama atenção principalmente pela assinatura de Lucía Puenzo na direção. A diretora do premiado XXY (2007) é também filha do cineasta Luis Puenzo, vencedor do primeiro Oscar de Filme Estrangeiro da Argentina, por A História Oficial (1985). A responsabilidade do nome e o peso de uma expectativa exagerada talvez tenham colaborado numa recepção positiva além dos méritos que este filme possui.

Dono de um ritmo truncado e de personagens rasos, cujas intenções nunca são exploradas à contento, tem-se a todo instante durante o desenrolar da trama de Wakolda a impressão de que algo está prestes a ser revelado, mas quando nos aproximamos da verdade, a diretora se esquiva, evitando tanto o óbvio quanto o necessário. A necessidade de criar um protagonista imerso em sombras foi além da conta, e o que se tem como resultado é um filme inteiramente nebuloso, que ao mesmo tempo em que oferece vislumbres atraentes, os esconde por trás de desenlaces e artimanhas desnecessárias. Neste caso, não bastou o conteúdo pertinente: seria preciso também uma maior habilidade para transformá-lo em cinema de qualidade.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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