Crítica

Ao receber, durante a cerimônia de 2003, o Oscar de Melhor Ator por seu desempenho no drama O Pianista (2002), Adrien Brody ficou em estado tal de excitação que, antes mesmo de iniciar seu agradecimento, roubou um beijo da atriz Halle Berry, que o aguardava no palco com a estatueta dele em mãos. Estava selado, naquele exato instante, um pacto entre dois como as mais notórias vítimas da Maldição do Oscar neste século. E se todo projeto solo da atriz a partir daquele instante naufragou – com exceção de suas participações nas séries 007 James Bond e X-Men – para o astro a situação está ainda pior, pois nem o apoio de grandes franquias ele possui. E nesta jornada rumo ao ocaso e ao gradual esquecimento, Visões do Passado é um passo em falso, talvez não merecedor deste cruel destino, mas incapaz de, individualmente, se livrar desta percepção equivocada.

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Peter Bower (Brody) é um homem traumatizado pela perda da filha e a constante apatia da esposa, que passa os dias em casa, dormindo, enquanto reluta em se livrar dos pertences da menina. A convite de um antigo professor (Sam Neill), ele decide voltar para a cidade onde teve sua formação profissional, retomando também suas atividades enquanto psicólogo. Seus pacientes são indicados pelo colega, e todos parecem sofrer de um certo grau de amnésia, alguns mais graves do que outros. A situação, no entanto, fica realmente confusa quando uma garota invade seu consultório à noite e, sem dizer uma única palavra, desaparece diante seus olhos. Aos poucos ele vai percebendo pistas deixadas por ela que podem não apenas indicar seu paradeiro, mas também revelar uma ligação entre ela, as demais pessoas que ele está atendendo e, em última instância, até mesmo com um trauma do seu passado.

Pois é nesse ponto que a história escrita e dirigida por Michael Petroni sofre uma reviravolta, como se fosse o início de uma segunda trama. Sim, pois se na metade inicial acompanhamos o protagonista circulando por ambientes sombrios e nebulosos, com portas fechadas e cercado por fantasmas dos quais desconhecemos suas reais intenções, quando tudo isso fica claro também para ele o que se passa é uma mudança de rumo, quando decide retornar à casa do pai, no interior. O homem, velho policial, há anos não vê o filho, a ponto inclusive de não ter comparecido no funeral da neta. O que os afastou de forma tão drástica e o que motivou o mais novo a procurar pelo outro são segredos não tão profundos, que logo serão esclarecidos. O diretor parece preocupado apenas com uma grande revelação de impacto, deixando as demais, que pontuam todo o desenrolar dos acontecimentos, irem se revelando aos poucos, sem tropeços ou sustos desnecessários.

Adrien Brody está longe de ser um intérprete desprovido de talento, e percebe-se um esforço legítimo de sua parte para dotar seu personagem de uma profundidade que, infelizmente, o texto de Petroni não oferece. O argumento dos fantasmas em busca de ajuda já foi visto diversas vezes no cinema, e a forma como aqui é apresentado não traz nenhuma novidade ao gênero. No entanto, a ambientação é correta, e certos elementos acabam se revelando eficientes, como a garota muda do início ou a jovem policial que tenta auxiliá-lo, ao mesmo tempo em que desconfia que tal mistério possa estar apenas na mente dele. A solução um tanto atropelada – literalmente – no final e certos tipos desaproveitados – como o melhor amigo de infância ou, pior ainda, o que Sam Neill faz nesse filme? – acabam por contar contra o projeto.

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Entre mortos e feridos, no entanto, Visões do Passado é um thriller até certo ponto intrigante, que prende a atenção do espectador como produto de gênero, resvalando em alguns clichês ao mesmo tempo em que faz uso de outros a seu favor. Longe de se confirmar como o desastre anunciado que aparenta ser num primeiro instante, também é incapaz de se destacar por suas próprias forças, seja por apenas incorrer na mediocridade de um terreno seguro ou por arrastar revelações que contariam mais se fossem compartilhadas no momento certo, e não da forma como se apresentam, inseridas sem preparo ou ajuste – quase como disposições ex-machina, que surgem sem preparo apenas para corrigir um enredo feito às pressas. E diante do currículo que o protagonista tem arregimentado nos últimos anos, parece ser apenas “mais do mesmo”, ainda que tal avaliação seja um tanto injusta.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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