Crítica

Contrariando os anciãos de sua aldeia, que preservam vivos os costumes, Dain (Mungau Dain) e Wawa (Marie Wawa) decidem viver seu grande amor, deixando família e aprendizados para trás. Wawa acabou de virar mulher e fora prometida para a tribo rival como forma de apaziguar os ânimos, uma maneira de retomar a paz há pouco interrompida pelo ataque ao seu shaman (Albi Nalgia). Para ela, ser moeda de troca não é opção e, por isso, a fuga para um local isolado parece a única chance de viver seu amor. Com isso, o atrito entre as duas tribos cresce, sendo a guerra iminente. Com seus olhos inocentes, a caçula da família de Wawa, Selin (Marceline Rofit), enxerga o desenrolar dessa história esperando pelo melhor, sabendo que, no futuro, ela poderá estar no lugar da querida irmã. Em poucas palavras, isso é Tanna, longa-metragem australiano, falado em Nauvhal, dialeto da ilha do Pacífico Sul em que a história se passa. Indicado ao Oscar na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira, a produção tem em sua fotografia e na performance de seus não atores os maiores predicados.

A direção é de Martin Butler e Bentley Dean, sendo que este viveu durante sete meses na ilha de Tanna, colaborando com o povo de Yakel na elaboração do roteiro e utilizando membros da tribo como atores. Note que cada personagem carrega o nome de quem o interpreta. A história de amor proibida entre Wawa e Dain, segundo os produtores, realmente aconteceu, na década de 1980. As consequências desse episódio acabaram por modificar os costumes locais, mas não sem antes acontecerem todos os problemas que acompanhamos no longa-metragem. Mesmo que seja um fato verídico em Tanna, incomoda um pouco a história do amor proibido ser utilizada novamente, depois de tantas tramas já terem se aproveitado desse advento.

Mesmo que a história não traga novidades neste quesito, a direção dos não atores realizada por Martin Butler e Bentley Dean é salutar. É possível destacar, sem pestanejar, o trabalho do elenco mais velho, transmitindo a sapiência e a experiência que seus papéis carecem. Se Mungau Dain e Marie Wawa se mostram “verdes” demais, não conseguindo passar veracidade em todas as cenas (os olhos de ambos os traem), o mesmo não pode ser dito da pequena Marceline Rofit, que, com poucas falas, mas muita presença, rouba as cenas em que aparece. Um bom exemplo é o retorno de Dain e Wawa nos braços do seu povo e a consternação de Selim quanto a esse destino. É um risco contar com não atores, mas os cineastas acertam por deixar seus intérpretes basicamente vivenciarem a rotina. De início, ninguém parece muito confortável em frente às câmeras – e até o enquadramento utilizado acentua esse desconforto, com a lente num ângulo estranhamente próximo dos olhos dos atores, como se Butler e Dean quisessem que eles quebrassem as regras e olhassem para aquele objeto estranho. Isso nunca acontece, no entanto.

De início morno, Tanna cresce do segundo ato para o final, conquistando o espectador com uma trama não necessariamente nova, mas com embalagem diferente, culturalmente rica e diversa. Não é sempre, afinal de contas, que assistimos a um filme realizado numa ilha australiana, com personagens interpretados por pessoas locais. Isso, certamente, chamou a atenção da Academia, que escolheu o longa-metragem como um dos cinco na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Depois de ter feito bonito no Festival de Veneza do ano passado, de onde saiu com o prêmio do júri popular, o Oscar é apenas mais uma etapa vitoriosa desse pequeno grande filme.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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