Crítica

Das indicadas ao Oscar de Melhor Atriz em 2012, talvez a que menos tenha gerado expectativa entre os cinéfilos em particular tenha sido Michelle Williams por Sete Dias com Marilyn. Afinal, tudo contava contra ela. Vamos começar vendo suas concorrentes: Meryl Streep por A Dama de Ferro (trabalho fenomenal que resultou no seu terceiro Oscar), Glenn Close por Albert Nobbs (uma das grandes dos anos 80 voltando à velha forma), Viola Davis por Histórias Cruzadas (a franca favorita no filme de maior impacto de bilheteria dentre os cinco finalistas) e Rooney Mara por Millennium – Os Homens que não Amavam as Mulheres (a novata num dos papéis mais disputados do último ano). Disputa difícil. E quanto à Williams? A garota que despontou primeiro num seriado de televisão adolescente (Dawson’s Creek), que já havia recebido duas indicações anteriores ao Oscar bastante protocolares e ambas sem a menor chance de vitória (como coadjuvante, por O Segredo de Brokeback Mountain, em 2006, e como principal por Namorados para Sempre, em 2011) e que havia aceitado o desafio de recriar na tela uma das personalidades mais populares e emblemáticas de todo o século XX. Conclusão óbvia: é claro que ela não pode estar tão bem assim. Correto? Absolutamente errado!

Se o espectador for daqueles que acreditam em reencarnação e possessões espíritas, então talvez encontre uma melhor explicação para o que se vê na tela durante a projeção de Sete Dias com Marilyn. Michelle Williams não está, de forma alguma, interpretando Marilyn Monroe – ela está vivendo a grande diva! Seu olhar, o modo de caminhar, a postura corporal: tudo que lembramos da atriz contemporânea desapareceu por completo nesta recriação impressionante. Suas indicações – e também vitórias, como no Globo de Ouro, no Independent Spirit Awards e pelos críticos de Washington, Toronto, Las Vegas, Florida, Dallas, Chicago e Boston – são mais que justificadas, e cada vez que a vemos em cena sentimos o mesmo magnetismo e fascinação que a própria Marilyn exercia em seu tempo. A impressão é de puro êxtase!

Porém ela não é a protagonista de Sete Dias com Marilyn. O filme, baseado numa obra literária autobiográfica, tem como fonte as memórias de Colin Clark, aqui interpretado pelo ainda desconhecido Eddie Redmayne (cujo desempenho mais impressionante até o momento havia sido como o filho de uma incestuosa Julianne Moore em Pecados Inocentes, de 2007). Ele, no início dos seus 20 anos, era tão fascinado pelo mundo do cinema que largou o futuro almejado pela tradicional e reconhecida família britânica em que nasceu para buscar um emprego na produtora de sir Laurence Olivier, isso em meados dos anos 1950. Ele acaba trabalhando como terceiro assistente de produção, que nada mais é do que um nome bonito para faz-tudo. Na mesma época, Olivier, vencedor de dois Oscars pelos shakespearianos Henrique V (1944) e Hamlet (1948), estava para começar as filmagens de um de seus filmes mais populares, O Príncipe Encantado (1957). A trama bobinha é sobre uma corista que acaba se apaixonando por um nobre de uma realeza obscura. Ele, além de dirigir, interpretaria o monarca. Já a mocinha seria interpretada por ninguém menos do que a mítica Marilyn Monroe, no auge da fama nos Estados Unidos, em seu primeiro trabalho na Inglaterra.

Um dos prazeres de se conferir Sete Dias com Marilyn é verificar como se saem intérpretes atuais ao recriarem grandes mitos de outrora. Assim como a protagonista, Laurence Olivier também é recriado à perfeição pelo igualmente clássico Kenneth Branagh (que, curiosamente, já foi indicado ao Oscar pelos mesmos trabalhos de Olivier, mas obviamente pelas novas versões de Henrique V, de 1989, e de Hamlet, de 1996, além de que agora foi mais uma vez lembrado, porém como coadjuvante), Julia Ormond (como Vivien Leigh, ninguém menos do que a Scarlett O’Hara de ...E O Vento Levou, de 1939, e esposa de Olivier na vida real) e Dougray Scott (como Arthur Miller, o intelectual autor de peças como A Morte do Caixeiro Viajante e, na ocasião, marido de Monroe). Chamam atenção, porém em papéis menores, a veterana Judi Dench (Shakespeare Apaixonado, 1998), a novata Emma Watson (da saga Harry Potter) e Dominic Cooper (Mamma Mia, 2008).

O melhor mesmo de Sete Dias com Marilyn, no entanto, é a possibilidade que o trabalho do diretor Simon Curtis (que até então havia trabalhado somente na televisão inglesa) oferece de nos tornarmos íntimos de um dos maiores ícones do cinema mundial. Acompanhamos suas inseguranças, seus medos, sua fragilidade, seu estrelismo e sua magia, mesmo que seja pelos poucos instantes que este retrato tão preciso oferece com carinho e consideração. Marilyn Monroe está presente, certamente abençoando um projeto que a trata com respeito e admiração, mesmo que não ignore nenhuma de suas falhas ou problemas. Mas, acima de tudo, quem se destaca é Michelle Williams, que evidencia um amadurecimento como atriz até então nem vislumbrado em sua carreira, mostrando aqui que seu futuro enquanto personalidade e intérprete tem tudo para ser muito mais feliz e satisfatório do que o da trágica celebridade. Uma lembrança sempre pertinente, ainda mais neste ano que marca o cinquentenário desta morte tão precoce e absurda.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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