Crítica

Chuck Holmes pode não ser um nome muito conhecido no mundo e aqui no Brasil. Aliás, é muito mais fácil reconhecer sua pessoa quem sabe o que é a Falcon Studios, uma dos maiores produtoras da cena pornô gay internacional. O diretor Michael Stabile afirma que o gênero é uma parte importante da cena homossexual. E não deixa de ser verdade. A escolha de Holmes como seu objeto estudo é de ainda maior importância não apenas pela sua revolução no modo como os filmes começaram a ser realizados (num formato adotado até hoje, mais de 30 anos depois), mas também na construção de identidade, de estereótipos (os tipos malhados e lisos começaram a se expandir por conta do estúdio) e, além de tudo, pelo seu papel no ativismo das minorias sexuais – algo que foi rechaçado por anos por conta do preconceito de onde vinha seu dinheiro.

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O longa conta com depoimentos de vários nomes ligados a Chuck, desde o diretor Chi Chi La Rue (responsável por boa parte das produções da Falcon), alguns de seus amigos mais próximos, até astros “bem dotados”, como Jeff Stryker e Tom Chase, e até políticos envolvidos com a causa LGBT, como Mark Leno e Carole Midgen. Todos batem a tecla em dados momentos em como sua pessoa não era bem-vinda por causa da origem das doações. Não que Holmes fosse uma pessoa desagradável. Muito pelo contrário. Todos ressaltam sua gentileza e humildade, ainda que seu jeito determinado e líder por natureza o tornasse explosivo em alguns momentos.

Com um formato clássico de depoimentos e registro histórico, Stabile é extremamente hábil ao utilizar os pornôs da Falcon em diversos momentos, utilizando sequências como se fossem partes integrantes do documentário. Um exemplo é o trecho em que se conta sobre uma conversa no carro entre Holmes e um de seus amigos e a imagem que ilustra a história é justamente uma cena de um dos filmes (sem o ato sexual, vale ressaltar). O defeito do longa (se é que podemos dizer isso) cai justamente nesta discussão sobre o preconceito dos outros com o seu biografado. Ainda que sugestões de causas sejam lançadas, não há uma resposta exata. O mais interessante é que Stabile utiliza esta discussão justamente para debater porque a indústria pornográfica é tão mal vista. Assim, o cineasta traça um histórico dos primeiros dias de Holmes em San Francisco, de corretor imobiliário com visão perante a crescente liberdade sexual da época e o seu papel na revolução dos pornôs gays no início dos anos 70 como co-fundador da Falcon até a expansão de seus negócios nas décadas seguintes.

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Foi com Holmes que o formato de curtas-metragens de 8mm passaram a ser de longas com melhor iluminação, elenco de estrelas e histórias mais desenvolvidas. Ou seja, ele tornou a indústria em um grande negócio como uma Hollywood em menores proporções, mas com garantia de lucros tão efetivas quanto. Dos filmes de beco, as produções passaram a ser mainstream, com atores sarados de academia e rostos de bebê. Apesar de problemas que começaram a surgir, especialmente a AIDS nos anos 1980, que matou boa um grande número de seus astros, foi ali também que o incentivo à camisinha começou a ser utilizado nos filmes do gênero, da mensagem inicial nos créditos até a “hora do ato”.

Entre política e pornografia, há espaço para discussão de moda. Mais especificamente em como as cuecas brancas da Calvin Klein se tornaram referência não apenas pelo símbolo de fashionismo na masculinidade como também pelo fetiche entre homossexuais. Não à toa a maioria das produções da Falcon e de outros estúdios tomariam as roupas de baixo da marca como “traje oficial” até hoje, mesmo com o advento de outros estilos de cueca baseadas na “original” e que também reforçariam este desejo sexual. Uma forma de mostrar o quanto Holmes estava sempre à frente de seus colegas em relação aos produtos que vendia.

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Assim como na pornografia, Stabile não se furta de desnudar a personalidade de seu protagonista, ainda que ele esteja em cena apenas por fotos e vídeos caseiros já que faleceu em 2000 devido a complicações causadas pelo vírus HIV. Holmes foi um dos fundadores da Human Rights Campaign, um fundo para políticos democratas. Uma pena que seu dinheiro era bem-vindo, mas ele próprio não. Seed Money é uma discussão interessante sobre o preconceito não apenas contra homossexuais, mas sim com uma indústria que gera muito lucro, mas todos negam saber do que se trata. É aquela velha história: atire a pedra quem nunca viu um pornô na vida. Ao que parece, todo mundo é santo quando se toca no assunto.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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