Crítica

Nós vivemos uma época de retrocesso no Brasil. Especialmente no que tange aos direitos de quem é diferente da maioria. Nem vamos entrar no mérito de impeachment, troca-troca de governo, e o que mais tem a ver com partidos e afins. Essas adversidades apenas acabaram por refletir, muito mais ainda nas redes sociais, o preconceito de boa parte da população brasileira com as minorias. Principalmente após o fatídico episódio do cuspe (que nem preciso entrar em detalhes), uma guerra virtual parece ter começado entre homofóbicos (dentro e fora do armário) e, é claro, os homossexuais. Pois, São Paulo em Hi-Fi se assemelha a um grande espelho disso que se passa no país atualmente, ainda que o filme tenha sido lançado primeiramente em 2013, em festivais como o Mix Brasil. O longa só chega agora às telonas gerais e trata, justamente, dos guetos homossexuais paulistas entre os anos 1960 e 1980.

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Lufe Steffen conduz seu documentário a partir do surgimento dos primeiros clubes e boates gays de São Paulo, fazendo um recorte das três décadas, começando pelas maneiras de driblar a ditadura militar no ápice do autoritarismo, entrando na cena do amor livre, até chegar à disseminação da AIDS e, consequentemente, do preconceito por conta do “câncer gay”. Mas não é o material de arquivo o melhor de tudo. São os depoimentos de seus protagonistas. Gente que não apenas frequentava os locais citados, mas que era parte orgânica deles. Trabalhadores dos bares ou, simplesmente, frequentadores deles como refúgio. Ou melhor, onde podiam se sentir livres. Ao menos, o máximo que conseguiam.

Não se espante se as falas das drags Miss Biá e Kaká di Polly causarem um nó na garganta, ainda que elas tentem ao máximo mesclar o drama da época com os momentos de alegria e felicidade. Entre outros que relembram os dias de chumbo e a glória de casas como Off, Medieval e Homo Sapiens, tem-se uma ideia de como a luta pelos direitos LGBT no Brasil é muito mais antiga do que divulgado pela mídia. Aliás, para o quarto poder parece que tudo só começou com a popularização das paradas gays, o que está muito longe da verdade. Entre perucas, maquiagens e homenagens às divas do cinema e da música, esses personagens da vida real contam tudo. TUDO mesmo, dos bastidores da noite profissional até o sexo fácil encontrado nos cinemas de pegação. Sem hipocrisia nem julgamentos.

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Bom, aí virão aqueles que dizem “mas eu não me sinto representado por eles”. Meus caros, deixem o preconceito de lado. É graças a estes “tipos” tão marginalizados pela sociedade (até hoje, inclusive) que o mínimo de direitos homossexuais tem sido garantido para qualquer um que queira andar de mãos dadas com seu amor nas ruas. E olha que isso ainda é perigoso demais com tanto discurso homofóbico disseminado por aí. São Paulo em Hi-Fi é uma aula de história sobre como respeitar e valorizar o pensamento e o gosto dos outros. Algo que a maioria ainda precisa aprender como se faz.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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