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Sinopse

Zolah e Raquel são irmãos e foram separados pela mãe quando crianças. Anos depois, quando Zolah é um bem-sucedido artista circense se apresentando na paradisíaca Fernando de Noronha, eles são finalmente confrontados.

Crítica

Por maiores que sejam as distâncias geográficas, algumas pessoas e situações nunca conseguem se separar. É mais ou menos essa ideia que o diretor Lírio Ferreira defende em seu mais recente longa, o drama Sangue Azul. Notório desde sua concepção por se tratar do primeiro longa-metragem filmado inteiramente na ilha de Fernando de Noronha, o filme consegue sabiamente ir além das impressionantes belezas naturais que explora com muito cuidado para se mostrar com uma trama densa e envolvente, cujo maior mérito é o competente e coeso elenco liderado por Daniel de Oliveira, em mais um excelente e destacado trabalho no cinema, mostrando de vez que essa é a sua expressão artística de maior efeito.

O versátil ator aparece aqui como Zolah, o homem-bala do Circo Netuno que, após muitos anos, retorna junto com os colegas à sua terra natal, uma ilha afastada de tudo e de todos. Ele foi entregue ainda criança pela própria mãe à Kaleb, o dono da companhia, que o colocou sob suas asas e o levou consigo, expandindo seus horizontes e mostrando na prática que o mundo é muito maior do que aquilo que a infância havia lhe proporcionado até então. Mas a atitude materna não foi leviana ou impensada, e sim repleta de temores e secretas intenções. A principal delas, aliás, relacionada à forte proximidade do menino com a irmã, Raquel.

Lírio, em companhia de Fellipe Barbosa (responsável pela direção de Casa Grande, 2014) e Sérgio Oliveira (produtor e co-roteirista de Amor, Plástico e Barulho, 2013, e parceiro do cineasta no roteiro de Árido Movie, 2005), não se preocupa em apressar a história de Sangue Azul. Muito pelo contrário, o texto que os três redigiram em conjunto está mais interessado em traçar um painel da vida daquelas pessoas e o quanto a chegada do circo – e daqueles que com ele vieram – irá afetá-los. Há os jovens esquentadinhos em busca de briga fácil, as meninas que se oferecem aos forasteiros, aqueles que aproveitarão para pular a cerca da maneira menos convencional possível. E, principalmente, os que farão dessa oportunidade um momento para reatarem laços há muito esquecidos, vontades abafadas e desejos que permanecem latentes, por mais que pretensamente tenham sido esquecidos.

Daniel de Oliveira, como o líder improvisado da trupe circense, mostra virilidade e carisma como um personagem difícil, que guarda muitas mágoas e ressentimentos e se esforça o tempo todo para manter estes sentimentos submersos no seu interior. É mais um grande tipo de sua filmografia, ao lado dos protagonistas de Cazuza: O Tempo Não Para (2004) e A Festa da Menina Morta (2008). Sandra Corveloni, vencedora da Palma como Melhor Atriz no Festival de Cannes por Linha de Passe (2008), tem finalmente um novo papel à altura do seu talento, ainda que numa participação coadjuvante – a cena dela com o filho, em casa, diz muito com pouco texto, numa experiência impressionante. O triângulo principal é completado por Caroline Abras, uma jovem e atraente atriz com longa experiência em curtas e na televisão, que tem uma presença eficiente, ainda que pouco desafiadora. Outros nomes de destaque, como Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz, Ruy Guerra e Paulo César Peréio compõem o resto deste interessante elenco.

Há quase dez anos sem dirigir um longa-metragem de ficção, Lírio Ferreira retorna ao gênero com uma obra madura e que cresce com o tempo, revelando novas camadas de leitura e uma profundidade consistente ainda após seu término. Semelhante em ambientação ao recente Os Pobres Diabos (2013), de Rosemberg Cariry, e, obviamente, ao clássico Bye Bye Brasil (1980), de Carlos Diegues, Sangue Azul consegue se destacar destas comparações com uma narrativa inteligente, que faz do circo uma metáfora para a diversidade do mundo a partir de um universo tão estreito e limitado. Visualmente atraente e realizado com grande competência, é um filme que merece a reflexão que provoca.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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