Crítica

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Existem duas trajetórias correndo juntas em Real Boy, belo e sensível documentário dirigido por Shaleece Haas. A primeira é a do músico iniciante Bennett Wallace, de apenas 19 anos, que está se encontrando na vida. Ele nasceu Rachel, mas logo percebeu que o seu corpo não combinava com seu eu. Passou parte da infância como um tomboy, chegou a deixar o cabelo crescer e se vestir como menina no começo da adolescência para ser aceito, mas preferiu seguir o que seus sentimentos ditavam. Passou a se chamar Ben, tomando injeções semanais de testosterona, colocando em sua música muito de suas dúvidas e problemas. A segunda trajetória que acompanhamos é o da mãe de Ben, Suzy. Para ela, é muito difícil aceitar que seu filho não seja Rachel, a menina que ela colocou no mundo. Sem saber como se portar ou se comunicar com o rapaz, ela vai se desligando pouco a pouco, principalmente quando ele decide pela operação de retirada de mama, um passo importante para encontrar o seu corpo correto. Em pouco mais de 70 minutos, seguimos os dois e observamos com emoção o desenvolvimento de Bennett e o processo de aceitação de sua mãe.

Didático, Shaleece Haas faz um documentário propício para quem busca entender a vida de um transgênero, suas agruras, dúvidas, alegrias. Bennett é um personagem muito carismático, que passou por momentos conturbados na adolescência – ele se cortava, cicatrizes que até hoje exibe em seus braços – mas que conseguiu se erguer para buscar a vida que merecia. Ao lado de seu amigo Dylan e do seu ídolo musical Joe Stevens – ambos transgêneros – Ben encontra a força que precisava para ser feliz nesta procura pelo seu corpo. Com Dylan, marcou a cirurgia que lhe daria o torso correto. Com Joe, troca não só as notas musicais, mas experiências.

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Sem um relacionamento com o pai e com a irmã, que simplesmente não aceitaram as mudanças de Ben, o único membro da família que tem ligação com ele é a mãe. E ela demora para entender o que seu filho passa. O encontro entre Suzy, Joe e a mãe de Dylan acaba mostrando algo que talvez lhe passasse despercebido: o quanto a sua falta fazia diferença para Ben. “Existem tantas pessoas nesse mundo que tentarão derrubá-los. Precisamos ter certeza de que não seremos essas pessoas”, diz a mãe de Dylan, em um exemplo certeiro de amor e compreensão.

Além destes dois protagonistas, outra história interessante é a de Joe Stevens. Músico, com passado problemático com a bebida, ele é uma espécie de farol para Bennett, alguém com quem ele pode se relacionar totalmente dado os interesses que dividem. Stevens abre a casa para Ben e o ajuda o quanto pode, mesmo vivendo seus próprios demônios. A luta contra a dependência do álcool é diária e, em meio ao documentário, ele revela que acabou recaindo. É nesse momento que Ben pode retribuir toda a ajuda que recebeu, tentando fortalecer o seu amigo em um período duro.

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Rico pela temática que trata e como expõe de forma muito sensível a vida dos seus personagens, Real Boy ainda tem predicados musicais, dado o talento de Bennett. Não será raro pessoas procurarem na internet pela sua música após conferir este documentário muito bem concebido por Shaleece Haas.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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