Crítica

Nem mesmo os bons escapam de errar às vezes. E a maldição do filme brasileiro ruim se abateu até sobre quem costumava ser acima da média. Paulo Caldas, realizador dos interessantes Baile Perfumado e Deserto Feliz, se equivoca terrivelmente em seu novo trabalho. Quarta produção a ser exibida na mostra competitiva nacional do 39° Festival de Cinema de Gramado, País do Desejo demonstra mais uma vez o quão fraca está a seleção brasileira em 2011. Certamente é algo a se lamentar, pois se confirma um momento de irregularidade na nossa cinematografia, também deixa em evidência a fragilidade dos nossos talentos, que nem mesmo a excelência de um ou dois longas iniciais pode servir de indício de um profissional à prova de falhas.

Co-produzido pela atriz Maria Padilha, País do Desejo parece mais resultado de um esforço dela do que dele – por mais que Caldas afirme se tratar de uma experiência autoral e que a tela reflete bem o que ele desejava. A história parte de uma trama confusa com duas ações paralelas: uma pianista renomada que luta contra uma doença crônica nos rins lutando pela sobrevivência e um padre enfrentando um grave problema em sua comunidade: uma menina de doze anos foi estuprada pelo tio e está grávida de gêmeos. Ao fazer um aborto, a criança e sua família são excomungadas pela Igreja, o que provoca a revolta do pároco local (Fábio Assunção, completamente inadequado no papel). A pianista (Padilha, apresentando mudanças físicas que interferem no seu bom desempenho em cena) não tem muito o que dizer, e após uma apresentação que lhe exige esforços que não possui, vai parar no hospital – coincidentemente, o mesmo local onde trabalha o irmão do padre (Gabriel Braga Nunes, perdido em cena). Está aberta, portanto, a oportunidade dos dois – artista e ministro da fé – se encontrarem e mudarem seus rumos de vida.

O pior de tudo é que há uma quantidade de sugestões, insinuações e pontas soltas que nunca se explicam ou justificam. Qual o motivo do envolvimento do padre com a tragédia da garota se logo em seguida decide abandonar tudo o que sempre acreditou para investir numa paixão adolescente por alguém que mal conhece? O personagem é tão mal construído que torna quase impossível a tarefa de identificação e compreensão dos seus atos. O mesmo distanciamento pode ser sentido em relação à musicista, uma pessoa frágil e alheia à tudo mais que se desenrola no filme que até sua própria presença ali passa a ser questionada. Outras figuras intrigantes, como a enfermeira japonesa pin up, a mãe moribunda, o pai que só se alimenta de refeições liquidificadas ou a auxiliar (ou seria amante?) que é esquecida assim que a cura passa a ser uma possibilidade, são logo relegadas a um segundo - ou terceiro - plano no exato instante que todas as questões sociais, éticas, morais, políticas e religiosas levantadas nos dois terços iniciais do filme são abandonadas em nome de um romance digno de novela mexicana.

Há ainda uma variedade de elementos desnecessários – conflito entre ciência e religião, entre ocidente e oriente, entre arte e consumo – que só servem como distração, afastando ainda mais o público da obra. Como resultados tivemos risos constrangedores a palmas acanhadas no término da sessão. E mesmo assim foi mais do que o merecido. O público presente nessa primeira exibição pública de País do Desejo estava indeciso entre o riso constrangido ou a raiva oriunda de uma frustração indesejada. Paulo Caldas é um profissional que pode muito mais, assim como todos os demais talentos envolvidos. E assim como eles, nós também merecemos algo não tão raso e equivocado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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